SÍSIFO CONTEMPORÂNEO

Os dias acumulados na lixeira do tempo

Não significam nada.

Não passam de entulho existencial,

Restos do que sou na soma dos anos.

Tal como Sísifo

Executo meu diário trabalho inútil

Sem qualquer ilusão

Ou pretensão a liberdade.

As coisas apenas são como são. 
Já é quase hora do almoço...

MEU PIOR INIMIGO

Perdi todas as minhas guerras.

Nunca soube  brigar

E apenas lutei

Contra mim mesmo.

Reconheci no espelho

Meu pior inimigo.

O fim era previsível e certo

como a ruína de um dia seguinte.

SILÊNCIOS QUE GRITAM

Para muitas pessoas 

Estar triste é mais frequente

Do que o viver alegrias.

Pois a vida, quando vivida intensamente,

Acorda dentro da gente

Um certo sentimento de nada,

De vazio,

Que não se explica.

É pura inquietude

Contra os silêncios

Que gritam por dentro.

DIFICULDADE

Vivendo sempre por um fio,

Degusto minhas angustias

Sem qualquer vaidade.

Tenho a vantagem de ser

Sem esperanças

Entre ruínas e necessidades.

ROTINA

Não penso nunca nos outros

Mas não sou o centro da minha vida.

Existo para sobreviver,

Ser parte da maquina social.

Tudo é um jogo diário

Que parece nunca ter fim.

Sempre faço o que não estou disposto:

Trabalho, compromissos públicos,

Ter boas opiniões,

Pagar boletos...

Quase não sobra tempo para beber

E esquecer tudo.

DESÂNIMO MATINAL

Um bocado de preguiça e má vontade me definem esta manhã.

Afinal, não há nada pior do que a rotina de mais um dia

Antecipadamente perdido.

Nada de novo me espera nas próximas horas,

Nada de importante ou relevante.

Apenas a mesma e insuficiente vida de sempre

Estou farto do sempre igual,

Das minhas respostas previsíveis a situações banais.

Uma existência domesticada não vale a pena.

OTIMISMO

Ontem eu fui dormir sonhando soluções

Que não existem.

Adormeci delirando um amanhã sem futuro,

Apostando feliz no melhor dos mundos,

Depois de generosas doses de ilusão e  álcool.

A vida me parecia possível,

Apesar de todo fatalismo

E este gosto de trágico em meus atos.

NOVIDADES

Quando tudo parece perdido,

Mesmo quando nada é conclusivo,

A única opção é morrer um pouco,

Deixar sangrar certezas,

Inercias e resignações,

Para que algo novo

Finalmente aconteça

Sem explicações.

LINHAS DE FUGA

Escapar as responsabilidades é desconstruir o efêmero com a sabedoria de uma criança. Não há forma mais autentica de se romper com a ordem como premissa de todo acontecimento social e pessoal.

Há algo de lúdico em nosso modo de lidar com o mundo além da racionalidade instrumental, do pragmatismo cotidiano. É preciso procurar o sol, estar a céu aberto e escapar as quatro paredes de casa ou do escritório.

É preciso fazê-lo  pelo maior tempo possível. De outro modo, nos tornamos ausentes de tão presentes nas paisagens vazias do simples acontecer do mundo. Manter linhas de fuga é um modo de escapar a persona cotidiana, de não ser ninguém para viver prenitudes.

COLETIVISMO TRÁGICO

A vida não é pessoal.

Não importa o quanto a tomemos como tal

Em nossas individualidades dispersas.

No final das contas,

Ninguém é especial,

Distinto da multidão.

Compartilhamos as mesmas necessidades,

as mesmas fraquezas e defeitos.

Todos juntos participamos do mesmo desastre

E contribuímos para o caos do qual somos vitimas.

UM POUCO DE CAFÉ

Dentre as bebidas não recreativas (alcóolicas) o café é aquela que para mim ocupa o lugar de maior nobreza e destaque.  Seja pelo sabor, pelo aroma incomparável, mas, especialmente, pelos hábitos que acompanham seu consumo.  Uma boa leitura, o despertar matinal ou , simplesmente, um instante de recreio dentro do horário de trabalho.Isso para não falar da imbatível pareceria entre café e tabaco.

Embora considerado um estimulante , o café funciona muitas vezes como um relaxante para espíritos inquietos. Pode ser excitante, quando consumido em excesso, mas na medida certa, algumas generosas xícaras diárias e bem distribuídas ao longo do dia, ajudam qualquer um a suportar a rotina.

Este comentário pode parecer efêmero e demasiadamente banal. Mas o que espero estar compartilhando aqui é um pequeno ritual cotidiano que pode tornar  a existência mais branda. A dedicação apurada as experiências mais insignificantes e associadas ao corpo não estão dissociadas de nossa percepção mais abstrata da realidade. Pensar é também uma experiência física,sensual, uma forma de existir como corpo.

PEQUENAS ESPECTATIVAS

Sempre estive esperando...

Não pela realização de algum sonho

Ou por qualquer coisa equivalente

A felicidade.

Estive esperando, desde sempre,

Apenas por um dia tranquilo

Onde todas as preocupações

Estivessem zeradas.

Falo de me sentir leve

Como uma criança,

Sem o peso de qualquer questão

Em meus pensamentos.

Infelizmente, tal nível de inocência

Só é possível aos que se alienam
da própria vida. 

AUSÊNCIA

Não sei quando me ausentei de mim mesmo.

Não me despedi,

Apenas desapareci ,

Materializando um desencontro

Entre a consciência e a existência.

Assim, aos poucos,

Tudo deixou de ser importante.

Minha vida seguia,

Sem minha companhia.

Eu já não era,

Já não estava.

Faltava a todos os encontros

Com o tempo.