CONTINUAR RESPIRANDO

Quanto mais tudo parece perdido.

Mais preciso me reencontrar com a vida,

Inventar caminhos e horizontes

Antes que a angustia me aperte

Em seu definitivo abraço.

Não se trata de reinventar as coisas.

A questão é simplesmente

Seguir vivendo

Contra o tempo e todos estes passados

Que não param de doer na memória.

Que se dane o futuro.

Só preciso continuar respirando

Apesar deste ar que me engasga.

O EU É O OUTRO

Precisava lidar o tempo todo com aquela ansiedade,

Com aquela desesperada vontade  de viver

Muito mais do que o possível de cada momento.

Estava sempre as portas do desespero,

Lutando comigo mesmo

No dizer de um outro

Que dentro de mim se debatia

Contra toda a realidade do mundo.

Quem eu era

Já não existia.

CAFÉ E CIGARRO

Um café quente

Coroado por um cigarro

Para esquecer o peso

De alguns pensamentos.

A tarde  está fria

E faz o tempo mais lento

Deixando estático

Meu próximo destino.

Pode ser que eu não chegue.

Pode ser que eu não volte

Ou fique tudo para depois.

Tanto faz.

QUANDO OS MEDOS ARRISCAM UM PASSEIO

Meus medos saíram de casa

Para um passeio.

Já não temiam  a aventura

De andar a céu aberto

De braços com minhas incertezas.

Sabiam que eu vivia

um cenário difícil,

Que minha vontade andava quebrada

E me surpreendia carente de possibilidades.

O futuro estava desaparecido

E ninguém atendia minhas ligações.

Tudo estava contra mim...
Mas meus medos estavam felizes.

QUESTÕES TRABALHISTAS

Aquela vontade de inercias,

De permanecer enterrado na cama,

Apesar das exigências do tempo dos outros,

Das obrigações

E  artificiais necessidades sociais...

Ela me atormenta o tempo todo.

Do que vale a vida que levo

Para não morrer de fome

Se qualquer dia destes

Fatalmente morrerei

De qualquer outra coisa?

O mundo é de fato um lugar estúpido

RECOMENDAÇÕES AOS MAIS JOVENS

As possibilidades de uma vida são limitadas.

Pode ser que você tenha sorte,

Mas mesmo se for o caso

Vai amargar sua dose de insucesso.

Não nascemos para felicidade

E o mundo não é perfeito.

Alguma coisa sempre estará fora do lugar

E outras além do seu alcance.

Não se pode ter tudo.

Muitas vezes, alias,

Tudo será o mesmo que nada.

Prepare-se para muitas frustrações.

MAIS UMA NOITE

Era uma noite vazia,
Destas que quase  enlouquecem
A gente
Simplesmente porque nada acontece.

Tudo que tinha para pensar
Era nas contas pendentes,
Na bagunça  do apartamento
É na roupa para lavar.

Era uma noite sem lua,
Sem estrelas e sem esperanças.
Mas não  seria a última.
É isso não  Era um consolo.

SEM SAÍDA

Eu me sentia sem saída.

Não via grandes opções

Para os meus impasses cotidianos.

Em grande medida

Tudo que me restava

Era apostar em um futuro impossível,

Acreditar sem qualquer evidência

Que tudo iria mudar um dia.

Mas isso era só uma estratégia de sobrevivência.

Sabia que a felicidade não me esperava

De braços abertos nas curvas dos anos.

O ABISMO NÃO PODE ESPERAR

Acho que preciso perder a hora,
O juízo e o medo,
Jogar fora algumas certezas,
Visitar  meus vazios,
Antes que seja tarde
Para o dia seguinte.

A vida inteira fui protagonista
De equívocos e erros
E o tempo ja passou demais.
O abismo não  pode esperar.

NOITE DE SEXTA FEIRA

Era noite de sexta feira

E eu me abrigaria, como sempre,

Em algum bar por algumas horas.

Isso Fazia a noite passar mais de pressa

Enquanto todas as coisas não aconteciam.

Seria mais  uma madrugada corriqueira

afogada em bom destilado.

Este era o meu tipo de felicidade,

Minha inspiração para a filosofia.

UM DIA DE CHUVA

Existem muitas formas de viver a vida.

Nenhuma perfeita ou satisfatória.

Tudo não passa de um sonho ruim

Onde  nada faz sentido.

Não somos senhores de nossas vidas,

Não mandamos em nossos pensamentos.

Somos apenas humanos

E isso não significa nada.

Então durma um pouco.

Acorde de novo para o depois.

Não tenha medo do caos.

Vamos viver a chuva e o frio.

Nada mais...

NA COMPANHIA DE UMA GARRAFA

A companhia de uma garrafa me bastava.
Nunca vi problema em beber sozinho.
Era sempre a melhor opção.
Não  bebia para ter vida social.
Bebia para esquecer as pessoas,
Apagar o cotidiano
e saber um pouco de mim mesmo.

Entre um gole e outro
Sempre visitava alguma filosofia
Passeando em meus labirintos.
Gostava  disso.
Era bom não  ter ninguém por perto,
Perder neurônios  e surtar a realidade
Desfilando minha aversão  ao mundo.
Eu vivia pelo avesso
Dialogando com uma garrafa.

DUVIDE DE TODAS AS CERTEZAS E CONVICÇÕES

Tenho me tornado demasiadamente descrente em relação a tudo. Sentimentos pessoais, ideologias, certezas de vida ou a importância até mesmo da própria existência humana. Tendemos a atribuir demasiado valor as coisas quando, no final das contas, nenhuma representação pessoal de mundo  muda a vida da gente. Por isso tendo a evitar  os senhores de opiniões. Eles vivem em um mundo à parte organizado por dogmas e convicções inabaláveis. Eu, ao contrário, já não tenho se quer boas razões para sair da cama todos os dias.

Acredito que tudo vai indo de mal a pior. Que não temos opções, que estamos condenados a um mundo medíocre e sem horizontes. Não me ofereçam nenhuma chave para realidade. Pois a porta não existe.

Devemos ser mais comedidos em nossas convicções. Elas não ajudam muito. Nunca ajudaram muito.   Simplesmente não existe salvação.

A AGONIA DE UM ALMOÇO

Eu queria apenas ir embora.
Estar em qualquer outra parte
Longe daquelas conversas cotidianas e vazias,
Daquela comida insípida e cara
Para paladares convencionais.
Não  era capaz de escutar direito
Se quer minha própria voz
Em meio a algazarra do restaurante.
Tudo me parecia artificial e banal,
Como estes versos perdidos
No sem rumo do seu dizer pequeno.
Não  tenho mais estômago  para sociabilidade.

VAMOS VIVER DE ABSURDOS

O  presente é como um brinquedo novo quebrado. Uma decepção  que não  vale se quer algumas horas de passado.

O tempo mudou tanto, que o calendário já  não  me serve mais. Talvez seja hora de apagar o futuro. Tudo anda tão  estagnado que já  não  vejo os fatos. Só sei que o dia seguinte chegará  tarde demais.

Daqui pra frente vamos viver  de absurdos. Aplaudir o abismo na avenida central .

MAU HUMOR

Precisava acordar de novo,

Retornar ao princípio da manhã

E, quem sabe, tentar acordar

Mais disposto.

Tinha começado o dia

Com o pé esquerdo

E cheio de má vontade

Com as coisas.

Ou, simplesmente,

Não estava com paciência.

As pessoas eram um fardo

E eu não queria saber de convivências

E interações.

Era um dia ruim.

Mas tinha tudo para ficar pior.

MAIS UM DIA

O dia pesava sobre os meus ombros.
Tudo seria apenas rotina
Sem brilho ou propósito.
Não  me importava com o telejornal matinal,
Não  haveriam novidades,
Apenas aquela agonia mansa de sempre.
Nenhuma expectativa...
Apenas meu eu marginal
Diante do muro do dia a dia.
Eu me dividia entre a cama
E um gole de bebida.
Tudo me parecia tarde demais.
Eu já não  tinha tempo em meus olhos.
Não  me encantaram os relógios.
Precisava encontrar a toca do Coelho Branco.