NADA DE REVEILLON

Nada nunca será suficiente.

Nunca estarei satisfeito.

Não esperem mesmo

Que eu seja feliz neste tipo de mundo.

Talvez em outra época ou planeta.

Jamais aqui e agora.

Não me cobrem boa vontade

Quando estou engasgado

Com os jornais e a rotina.

Há algo de errado com qualquer um

Que se diga realizado com este cotidiano imundo.

Então guardem seu réveillon para vocês.

Se  enganem mais uma vez com as mentiras

Do ano novo.

Engasguem...

Estou velho demais para isso.

Nada de reveillon para mim.

APROVEITE A VIDA

Prefiro não pensar em como cuido do meu corpo. Sei que do jeito que me comporto, segundo os imperativos da bio politica imposta pelo politicamente correto, não terei muito tempo de vida. Afinal, como, bebo e cultivo meus vícios segundo os ritmos loucos  da minha ansiedade.

Francamente: não me preocupo em ter saúde sem satisfazer o prazer definido pela orgia dos meus cinco sentidos. Prefiro viver de exageros e entorpecido pelas mais concretas “coisas da carne”.

Meu corpo não é o meu templo. É minha boate e todo dia rola uma festa de arromba.

Morrer um dia pouco importa desde que aqui e agora eu tenha feito de tudo para satisfazer minhas mais cruas necessidades.

FUTUROS IMPOSSÍVEIS

Tudo que precisava hoje era dormir e acordar depois de pelo menos duzentos anos de bom sono. Então me surpreenderia diante de um mundo novo com novos problemas e velhas questões. Acho que assim, de algum modo estranho, me livraria finalmente de mim mesmo. Poderia  reinventar meus dias sem o peso dos meus  passados, redescobrindo a vida ao sabor das novidades de uma outra época. Não que eu espere um mundo melhor daqui a duzentos anos. Apenas preciso de problemas novos, mesmo que inspirados pelas piores previsões distópicas.  

SEM COMPROMISSO

Minha vida é feita de improvisos.

Nunca contei com grandes certezas.

Nunca estabeleci nenhuma meta ou objetivo

Ou abracei um destino.

Sempre odiei os lugares comuns dos livros de autoajuda

E os conselhos dos mais experientes ou competentes.

Aceitei  a incerteza como princípio e optei por não ser ninguém.

Existir me foi  suficiente em um mundo em que as pessoas

Apenas respiram.

Por isso vivi por ai perdido, a deriva,

Quebrando a cara

Tentando sobreviver até a semana seguinte.

Sempre estou por um fio.

Mas é divertido não ter compromisso com o sucesso.

Espero apenas que os dias me surpreendam

Enquanto tropeço nas circunstâncias.

MAIS UM INSUPORTÁVEL FIM DE ANO

Quando chega o fim do ano algo se quebra dentro de mim. É como se o presente desmoronasse dentro de mim me deixando em ruínas, provisório e incerto. Talvez mesmo um pouco arrependido de ser quem eu sou.

Não tenho orgulho dos meus atos, da minha vida... Não sou flor que se cheire. Mas nunca tive a pretensão de bem  figurar no quadro social ou ganhar destaque entre os membros da dita “boa sociedade”.

Tudo que eu queria era começar de novo. Mas sei que o ano seguinte será mais apenas do velho das ultimas décadas. O tédio domina o mundo.  As coisas mudam para que tudo permaneça medíocre e certo como uma equação de primeiro grau.

O ano acaba e tudo continuará em marcha para o abismo. Depois será ano novo de novo.... Não temos como fugir a rotina, reinventar este século de desastres.

DOR DE DENTE

Eu tinha todos os problemas do mundo.
Mas o mais urgente agora
era ir ao dentista.
Assim, o resto seria suportável.
Não podia resolver tudo.
Mas precisava de um dentista.
Era minha unica e concreta certeza,
meu maior incomodo existencial.
Parecia tão simples.
Mas não era uma resposta.
Eu já havia abandonado todos os meus problemas.

SONHOS E ILUSÕES

Alguns sonhos baratos
ainda encantam a noite
enquanto me embriago
e me surpreendo ali sozinho
diante de algumas velhas ilusões.
É tudo muito simples:
Um dia você perde,
outro você ganha
e tem a falsa certeza
de que tudo está sob controle.
Mas o sucesso nunca é suficiente.
É sempre melhor esquecer tudo
e pedir mais uma cerveja.

UM PRATO DE MACARRÃO

Um bom prato de macarrão

Era tudo que eu queria

Para não pensar na vida

E deixar de lado todos os problemas.

Apenas um prato de macarrão.

Um pouco de molho de tomate

E uma taça de vinho tinto.

Comer é uma forma de simplificar a vida,

De fazer de conta que os problemas

Mais abstratos e  impostos

Pelas obrigações diárias

Simplesmente não existem

Assim como todas as tramas da filosofia.

CETICISMO RADICAL

Estou cada vez mais predisposto a não acreditar em nada daquilo que leio ou escuto por ai. Há certezas demais, opiniões demais e todo tipo de paradigmas e explicações para confortar os necessitados de segurança teórica. Quase não vale a pena pensar diante da infração de teorias e narrativas.

Pois façam bom proveito de suas preciosas respostas aos grandes dilemas e desafios da contemporaneidade. Tenho apenas uma vida e ela é muito curta para me ocupar de filosofias, ciências ou soluções coletivas. Melhor assistir alguns filmes e comer pipoca enquanto o mundo acaba lá fora. 

DESCONTRAÇÃO

Pode ser que hoje qualquer coisa seja diferente

E a vida mude um pouco

Em seu tedioso modo de acontecer na gente.

Basta qualquer boa noticia a toa,

Uma oportunidade boba

Para mudar o roteiro, o destino

E  o caminho.

É bom ficar um pouco perdido

A mercê dos fatos

Apenas observando a vida passando

Sem qualquer motivo.

APRENDENDO A ESQUERCER

Tinha algumas historias para contar

E outras tantas para esquecer.

Nem tudo que me aconteceu foi importante.

A maior parte das coisas que fiz

É descartável,

Não vale uma  lembrança.

A vida passa,

As circunstancias mudam,

E quase tudo perde sua importância.

Seguimos adiante

Aprendendo a dar cada vez menos valor

A nossas experiências.

Por isso não conto mais minhas histórias.

Tento agora aprender a esquecer

Tudo que remete a outrora.

MINHA ADORADA PREGUIÇA

Amo a preguiça,

Este descompromisso radical com a formalidade da vida,

Com os compromissos, obrigações e funções

As quais meu existir foi reduzido.

Não quero saber de responsabilidades toscas.

Não me preocupo com o bom andamento da economia,

Das relações de trabalho ou com esta maldita sociedade.

A preguiça é a única inspiração que me faz acordar todos os dias.

Ela me inspira a não fazer nada e sentir meu corpo inerte,

Entregue a mais esclarecedora das inercias.

Não fazer nada é o único objetivo da minha existência.

REALISMO AMARGO

Não vejo possibilidades de um mundo melhor.

As coisas mudam mais as angustias permanecem as mesmas.

Não importa a época, os governos ou o pensar dominante.

Sempre existirão contradições, mentiras, rotinas

E este desesperado sentimento íntimo de vazio.

Sejam felizes com suas utopias politicas, deuses e amores eternos.

Prefiro sofrer a elementar realidade da minha  miséria humana

Sem ilusões ou falsas soluções.  

Apenas os idiotas vivem de sonhos e esperanças.

NÃO ME CONTENTO COM A VIDA

Não sou dado à felicidade.

Aprendi isso desde  muito cedo.

Tenho vontades demais

Gritando dentro de mim

Contra a realidade.

Um caos me grita

Por dentro

O desafio da liberdade.

Viver é inquietante,

Absurdo.

Não me contento com a vida.

A DITADURA DO OTIMISMO

As pessoas estavam habituadas a sempre aparentar alegria,

Saúde e vivacidade.

Críticos e pessimistas eram mal vistos no trato social.

Ninguém queria saber sobre os descalabros cotidianos.

Consideravam a tristeza perigosa,

Praticamente subversiva.

O sorriso era a mais querida das bandeiras

E somente os fúteis e hipócritas

Gozavam do status de vitoriosos.

Diziam que o mundo não era perfeito,

Mas que a felicidade estava ao alcance de todos.

Assim trinfou o império da dissimulação e da mentira

Sobre o espirito critico.

HOT DOG

Uma barraquinha de hot dog...

É tudo que queria agora.

Não preciso de qualquer outra coisa.

Apenas de um hot dog com bastante mostarda.

Quanto ao resto, 

Que o mundo vá para o espaço.

Nada tem mais jeito.

Estamos a deriva

Em nossas casas, 

em nossos empregos e em nossos sonhos.

Então me basta apenas morder um hot dog.

Enquanto ainda é possível.

AMORALIDADE

Nunca me preocupei em ser uma boa pessoa segundo os padrões da sociedade.

Vivi minha  vida a margem de todos fazendo tudo do meu jeito.

Por isso, procurei manter uma distância segura dos outros, pouco me importando com o que faziam ou deixavam de fazer.

Simplesmente não precisava ser bom e muito menos de toda aquela hipocrisia moral enquanto exercia minha singularidade.

A maioria das pessoas se dividia entre chatas e irrelevantes. Ambas demasiadamente ocupadas em julgar e rotular. Eu simplesmente cagava para todas elas

ENTRE O EU E OS OUTROS

Cada um de nós estabelece fronteiras

Entre o eu e os outros

Quando eu sou os outros

Que me negam o tempo todo.

Sou indeterminado,

Sou este copo, esta bebida

E minha morte.

Mas antes sou o futuro,

O abismo e a sorte.

Por fim os outros,

O nada...

Até que eu acabe entre as garrafas

Embaralhado entre as fronteiras

E os outros desfeitos dentro de mim.

FILA DE ESPERA

Era o último homem na fila de espera.

Sabia que perderia algumas horas ali

Afogado em ansiedades e expectativas.

Também sabia que não valeria a pena.

Mas não tinha coragem para fazer outra escolha,

De fugir do fardo das minhas obrigações cotidianas.

Tinha o defeito de ser honesto,

De fazer tudo certo

Mesmo de má vontade.

Nunca receberia qualquer reconhecimento por isso.

Apenas morreria triste,  tranquilo
E um pouco sem vida.

MAIS UMA BEBIDA

As pessoas possuem certezas demais,

Sentimentos exagerados

E demasiada necessidade uma das outras.

Só preciso de uma garrafa e alguns maços de cigarro.

O resto resolvo em improvisos,  invento

Ou, simplesmente, esqueço

Até o dia seguinte.

Não tenho tempo para preocupações inúteis

Ou espaço para problemas descartáveis.

A vida é curta e o tempo corre.

Então, apenas pegue mais uma bebida.

UMA DOSE DE SONO

Não tenho fome, sede,

Ou vontade de qualquer coisa.

Meu único desejo é dormir.

Nem morrer, nem viver.

Apenas viver um sono profundo

E provar algumas aventuras oníricas.

Existir é relativo.

Pouco importa ao mundo se eu existo.

Mas também não me levo a sério.

Guardo para mim mesmo

parcela considerável da indiferença

que dedico aos outros.

Preciso dormir mais um pouco.

É sempre preciso dormir mais um pouco.

MORAR SOZINHO

Chego em casa.

Tiro a roupa

E me jogo logo no sofá

Para esquecer o dia que foi.

Sei que amanhã me aguarda

A mesma rotina.

Nem parece que o tempo passa.

Bebo um pouco antes de dormir

E correr e em meus pesadelos.

O sono nunca é tranquilo.

Gosto de ficar enterrado em casa

Fazendo de conta que as pessoas não existem.

Assim o tempo passa

Mas eu quase não percebo.

É quase tarde demais para esperar futuros.

Abuso um pouco do cigarro.

Preciso relaxar....

VERSOS CONTRA A REALIDADE

A realidade sempre atrapalha o poema,

Mas não cala o verso

Que mesmo torto se impõe.

Não farei, porém,   poemas   assustados,

Medrosos e indecisos.

Não quero falar dos fatos.

Afinal, não sou jornalista

E odeio rotina, cotidiano

E todas as datas do calendário.

Tenho horror, principalmente,

Ao trabalho.

Farei versos como quem delira.

Pouco me importa a realidade.

DESCONFORTO

Nunca gostei de bons restaurantes,

Roupas de qualidade

E lugares sofisticados.

Acho que tudo é caro

Também é um pouco podre.

Há sempre algo de sujo no bom gosto,

Qualquer coisa indigesta

Que não me cabe na consciência.

DEPOIS DO CAFÉ DA MANHÂ

O dia podia terminar depois do café da manhã.

Isso evitaria muitos aborrecimentos...

Já estou farto de tarefas cotidianas inúteis,

De fingir que me importo

Ou que gosto de determinadas pessoas.

O teatro do viver comum é ridículo

E nos castra as ambições mais autênticas.

Estamos condenados ás obrigações e fardos,

A nos conformar com o peso dos outros

Negando nossos mais autênticos extintos.

Maldito seja enfadonho dia que me espera.

BEBERRÃO

Algumas pessoas me diziam

Que bebiam para ficar bem.

Mas nunca me pareciam felizes.

Tinham aquele sorriso forçado

Que dedicamos aos outros

Por mera formalidade.

Tinham vida social na medida em que não viviam.

Eu, ao contrário, sempre bebi para ficar mal

E esquecer o dia seguinte.

Nunca quis me divertir entre os outros.

Beber sempre foi para mim

Um modo de explorar minha solidão.

Nunca tive do que reclamar disso.

BOM DIA

Bem vindo a mais um dia sem sentido e inútil.

Aceite sua vida vazia,

Sua baixa auto estima

E todas as frustrações vividas.

Hoje é mais uma oportunidade

Para você se arrastar nas horas

E amargar rotinas.

Erga a cabeça, sorria.

Mas não espere que tudo dê certo.

FILOSOFIA ANTI SOCIAL

Pode ser que hoje eu durma mais cedo.

Estou farto do mundo

e da rotina do bar.

Deixe-me contar um segredo:

Sou bem diferente do que pareço.

Sou quase um bicho perdido

em busca de algum abrigo.

Na falta, acendo um cigarro

e fico pensando na vida.

Mas todos os meus pensamentos são vagos,

imprecisos e provisórios.

Tão descartáveis como a minha existência

ou sua companhia.

FATALIDADE

Não era o que eu queria.

Mas sempre sou decepcionado

Pela realidade.

Por isso não reclamei.

Agradeci. Peguei o pacote

E sai.

Era sempre assim.

Aceitava os fatos e o azar.

Seguia em frente.

Tentava não me importar.

Sabia que nada iria mudar.

Não nasci para dar certo.

NÃO IMPORTA

Não importa em que lugar eu esteja.

Não faz diferença o que vejo a minha volta.

O que eu sou é um estar em mim mesmo

Mais lúcido do que a própria vida

Tentando me livrar dos acontecimentos,

Das informações, do cotidiano,

E tudo aquilo que desafia o bom senso.

Ser livre é não me importar com o mundo,

Mergulhar no nada, pura e simplesmente,

Sem a pretensão de encontrar um rumo.

SACO CHEIO

Já estou velho demais para ter paciência.

Coleciono irritações.

Não tolero os idiotas, os hipócritas

E os que de tanto achismo não pensam nada.

A humanidade anda insuportável.

Por isso quase não saio de casa.

Aprendi a ficar quieto

Entre os meus silêncios.

Mas a maioria das pessoas

Ainda prefere falar demais,

Julgar e vomitar posições idiotas

Sem perceber que já é tarde demais.

FALSIDADE

Tento adiar ao máximo minhas decisões.

Ninguém gosta de lidar com a realidade

E suas contradições.

Por isso é preciso fugir a responsabilidade,

Embriagar-se com ilusões e mentiras

Para não admitir o obvio.

Precisamos de uma generosa dose

De hipocrisia para administrar a vida.

Não sobreviveríamos a nos mesmos

Caso fossemos sinceros. 

O BAR AINDA ESTÁ ABERTO

Não  sobrou muito de mim

Depois que cresci.

Como todo mundo

Tive que encontrar um modo

De ganhar a vida

E esquecer de viver.

Não me tornei

Aquela pessoa que disse que seria.

Mas não me importo com isso.

Só preciso de algum dinheiro no bolso

E de um mínimo de conforto.

O resto se suporta

Em meio ao grande deserto da condição humana.

Por hora o bar está aberto

E não preciso ficar pensando sobre isso.

O ABACAXI DO DIA

O dia tinha gosto de abaxi.
Era doce,
porem, dificil de digerir.
O calor estava insuportavel
e eu precisava desesperadamente
de uma cerveja.
Me sentia indisposto, triste
e sem respostas.
Beber era a unica coisa
que fazia sentido,
era tudo do que precisava..
Não era um bom momento
para pensar no depois...

BUFÃO

Tenho por objetivo
aprender a errar com maestria.
Nesta arte quero ser perfeito,
transformar minha existência
em uma grande aventura
e me perder pelos labirintos
deste mundo tolo,
por esta época insana
onde o caos me fez nascer
por mero e sádico capricho.

Que seja!
Serei torto,
impecavelmente louco,
contra as boas intenções de todos
através do absurdo de tudo.

EU SÓ PRECISO DE UMA GARRAFA DE UISQUE

Ninguém etá realmente sozinho enquanto mantem uma boa garrafa por perto. Muitas vezes um bom uísque é mais bem vindo do que a mulher amada. Afinal, precisamos de tempo para nos ocupar de nada, não ter boas respostas e simplesmente esquecer de tudo.

Beber sozinho é ficar sem pudor. O que faz muito bem depois de um estressante dia  feito de pessoas e cotidiano. Precisamos ficar sem pudor ruminando a própria consciência e uma boa garrafa nos ensina o valor de umas horas de solidão.

ELITISMO E MELANCOLIA

Estou apenas cansado.
Esperando que o dia acabe
de uma vez por todas.
Mas há vida demais lá fora
contra toda a preguiça que me define.
Por isso deixe as esperanças e o mundo
lá fora
quando visitar meu intimo.
Aprecio sua companhia.
Mas desprezo sua existência.

ANOTAÇÕES AUTOBIOGRÁFICAS DE UM VAGABUNDO

São necessárias generosas doses de enterterimento barato e drogas, no mais amplo sentido da palavra, para suportar o mais elementar e vazio cotidiano. Cada um sabe disso a sua própria maneira.

Pessoalmente, preciso arrumar a casa antes que o teto desabe sobre a minha cabeça ou eu simplesmente enlouqueça.

Também preciso esquecer o mundo lá fora, os boletos não pagos e todas as pessoas dentro da minha cabeça. Já não suporto tantos horários, compromissos e obrigações. A normalidade é o mais terrível de todos os pesadelos.

O CÉU DE CADA LUGAR

O céu desta cidade
Não é igual  aquele que cobre
o lugar onde nasci.
Cada canto de mundo
possui um céu diferente;
mas quem presta atenção?
Precisamos apenas manter os pés
firmes no chão,
não considerar o porvir,
o vento ou a imensidão.
O que importa quantas caras
existem no céu?

ANOTAÇÕES AUTOBIOGRÁFICAS DE UM VAGABUNDO

Nenhuma situação comporta só uma interpretação. Por isso é sempre bom dispor de uma segunda opinião antes de se entregar a suas próprias convicções. No fundo, todos estamos errados e erramos menos quando misturamos nossas opiniões e tiramos conclusões confusas e indecisas. Não sou muito adepto do sim ou não. Acho que  o mundo é uma questão de interpretação e tendemos a fazer as piores interpretações possíveis.

No que diz respeito a ação, o melhor é sempre não fazer nada. Abrir uma garrafa e esquecer...

ANOTAÇÕES AUTOBIOGRÁFICAS DE UM VAGABUNDO

Queria hoje um café da manhã descente para, quem sabe, animar o dia. O que tinha na carteira, entretanto, era o suficiente apenas para garantir um almoço modesto. A vida estava sempre contrariando minhas vontades. Sabia muito bem o quanto as mínimas coisas sempre estavam fora do alcance das minhas mãos. O mundo não era feito de oportunidades, mas de heranças malditas. Era melhor gastar tudo com bebida barata e simplesmente esquecer o dia.

NAQUELA NOITE

Um...

Dois...

Três...

Quero tudo de uma vez.

O uísque ,  o beijo, o cigarro

E a intimidade do quarto.

Estou ansioso, demais,

Cansado,

E não estou disposto a esperar,

Implorar ou negociar qualquer coisa.

Também já bebi demais.

Talvez não aguente a noite toda.

FIM DA LINHA

Todas as situações estavam prestes a desabar

Sobre a minha cabeça:

Todos os impasses, rotinas,

Frustrações , incertezas,

Aflições e duvidas.

Tudo estava prestes a dar

Inteiramente errado.

Não havia outro jeito.

Precisava de uma bebida

Para me acostumar á ideia

E lidar com o inevitável.

A vida não foi feita para dar certo.

MÁ VONTADE

Me assombra a banalidade infinita do meu dia a dia.

Não importa o que eu faça

Tudo permanece irremediavelmente medíocre.

Qualquer  dia tem por resultado

O mesmo sentimento do vazio

De uma noite sem brilho.

Mas o que eu quero e espero

Não cabe no pensamento,

Nunca encontrará a realidade.

Sou vitima de uma enorme má vontade

Diante de tudo que transformaram a vida.

FATALISMO

Todas as minhas rotinas estão quebradas.

Perdi o dia tentando concertar os fatos,

Rasgar as últimas notícias

E arrumar a casa.

A sorte havia me dado ás costas.

Não se pode ganhar sempre,

Mas eu já estou cansado de perder,

De não estar à altura de mim mesmo.

Preciso de uma outra vida,

Começar tudo de novo.

Mas tudo agora parece impossível,

Amargamente definitivo.

PRAGMATISMO

Não tenho respostas,

Vivo de enganos e silêncios

Enquanto a vida passa

E tropeço no acaso.

Amanhã será outro dia,

Outra agonia.

Vou inventar qualquer sonho

Contra a realidade.

Preciso viver desesperadamente

O agora

Como se existisse a eternidade.

CONSERVADORISMO

A vida está sempre mudando..

Mas somos conformistas demais,

Vivemos certezas demais,

Para compreender o quanto.

Estamos sempre buscando

Uma velha versão de nós mesmos

Que nos permita suportar o devir

E a realidade.

DEBATE

Não tinha mais paciência.

Simplesmente não suportava mais

A prosa rota e cotidiana sobre o acontecer das coisas.

As pessoas tinham opiniões demais

E bom senso de menos.

Era irritante discutir qualquer assunto.

Já não suportava os jornais.

A informação havia substituído os fatos.

Era quase impossível realmente saber

Sobre qualquer coisa.

Mas as pessoas estavam interessadas em falar,

Tagarelar compulsivamente sobre tudo.

NÃO PERTUBEM

Não me incomodem.

Hoje irei deitar em meio ao caos

E ficar mirando o teto

Até tudo esteja perdido;

As horas, as festas,

As verdades de ocasião

E os vazios existenciais.

O mundo nunca dará certo para mim.

Sou a soturna realização de uma existência

Que nunca foi.