MALDITO SEJA O ANO NOVO

Não importa o que ficou perdido

 ou o que será esquecido

 com o ano passado. 

Também não interessa

 se este será meu último ano de vida.

 Hoje é ano novo. 

Precisamos celebrar o futuro.

 Mesmo que para nós

 Já faça muito tempo que ele não exista.

O que importa é que a vida continua, 

apesar de tudo. 

Maltrapilha,

 doente e meio senil, 

ela continua. 

Somos todos suas vítimas.

Maldito seja o ano novo 

Que nos envelhece

 e mata aos poucos

com requintes de covardia!

A REALIDADE CONTRA A VERDADE

A realidade é um estado de errância,

de desabrigo,

ou ausência de mundo,

contra toda ilusão ou esperança

e enraizamento.

Ela escapa a consciência

e desafia o corpo, o verbo,

como exterioridade que nos devora em silêncio.

A realidade é a materialidade da finitude,

é um fugir de tudo em indeterminações e incertezas.

A realidade é o oposto da verdade.

ENTRE FIGURAS E CURTINAS

Entre figuras e curtinhas

vemos o que sabemos

na invenção da realidade.

Sofremos o que queremos

sem enxergar o que sentimos.

Pois a imaginação não cabe em nossa mania de verdade,

como o desejo transcende a sexualidade.

Somos onde fugimos de nós mesmos,

onde o inconsciente existe como potência

que extrapola o verbo

e o corpo, entre as curtidas, rompe o silêncio.

AS LINHAS DAS HORAS

Escreve teu nome nas linhas das horas 

Como se o dia fosse um livro 

Por alguém a ser lido 

Durante o fim do mundo. 

 Escreve como quem morre, 

Como quem foge, 

Ou, simplesmente, escapa

 A armadilha do dia seguinte. 

 Escreve teu nome. 

Depois esquece. 

O dia não é um livro 

Apenas as linhas das horas existem

fora do tempo da tua existência.

CARNE E TEMPO

Somos uma imprecisa mistura de carne e de tempo

 Dentro da indefinição deste instante.

 Fazemos de conta que tudo é para sempre,

 mesmo quando a intimidade das horas escapa a memória. 

Mas o fato é que somos insignificantes, 

nada que nos faz humanos importa 

enquanto a unidade da  carne e do tempo

se desfaz em silêncio.

TUDO É URGENTE E INÚTIL

Tudo é urgente em nossos passados futuros. Nada dura na eternidade do instante 

e a vida pinga sem conta gotas

no abismo frio de um infinito sem rumo.

Tudo é inútil ,

provisório e absurdo,

 Como esses despropositados versos

Mal feitos  de madrugada

em um quarto escuro

 No fundo de um sábado

sem alma.

Tudo é urgente e inútil como os paradoxos que debocham de nossa razão, 

de nossos passados e futuros incertos.

SOBRE NOSSA RIDÍCULA CONDIÇÃO HUMANA

Cada um de nós existe apenas 

para fazer número

no grande espetáculo da miséria humana.

Vivemos para o tédio, para o consumo,

para os jogos de linguagem,

para provisória, banal e inútil sobrevivência

de todos os dias.

Existimos para acreditar e ter esperanças,

fazer de conta que tudo faz algum sentido,

ou que somos inspirados pela metafísica estúpida

de alguma razão que nos transcende os corpos.

Existimos para o ridículo e vergonha do reino animal

Inconscientes de nossa estrutural bizarrice.

CHATICE

Bem sei que

fui uma criança chata,

um adolescente chato,

um adulto chato,

E morrerei como um velho

Absurdamente chato..

Em minha defesa

tenho a dizer apenas

que sobrevivi

 em um mundo

e numa época quase insuportável.

A vida nunca sorriu em meus dias.

A existência, foi para mim,

uma experiência

terrivelmente chata.

APOSENTADORIA

Meu ideal é nunca ultrapassar

os limites do meu quintal.

Jamais ir além das fronteiras de casa,

só saber do mundo por ouvir dizer.

Estou velho demais para o existir comum,

Para pertencer aos outros,

ou me perder em civilidade.

Tenho idades críticas.

Sou livre para não servir para nada,

para não esperar nada do outros,

e recusar o mundo.

ANOS MORTOS

Há anos mortos Enterrados em minha memória Que ainda respiram algum tempo futuro. São eles que antecipam os sonhos Que sonharemos tarde demais Para evitar a sempre eminente catástrofe De alguma nova realidade Que logo nos destruirá Sei que seria melhor não ter nascido e não saber destes anos mortos, destes futuros, e passados Que povoam as ruinas do alguém Que eu já fui um dia. Mas morrer nos faz pensar que apesar destes anos que quase não vivemos jamais seremos mais do que miragem na paisagem dos corpos humanos que enfeitam a terra.

ANTES DO FIM DO ANO

Antes do fim do ano

vou reciclar minhas mágoas,

atualizar minha melancolia,

e renovar meu estado de insatisfação permanente

com o mundo contemporâneo.

Talvez, até vislumbre protestos

na contramão da razão

e do consenso dos conformados.

Antes do fim do ano

vou repudiar o futuro

de nossos eternos passados.

DIA SEGUINTE

Não espere um dia seguinte.

Amanhã sempre é tarde demais.

Seguimos em frente

entre tédio,  ansiedade,

e  lembranças.

Apenas o ontem nos faz presentes.

Mesmo que fartos dos dias,

semanas e anos!

Nada  mais é urgente.

Não espere um dia seguinte.

O amanhã nunca chega

e hoje já tem gosto de ontem.