quinta-feira, 30 de abril de 2020

IRREALIDADE

No tempo em que eu era menino
O mundo parecia existir
E tudo tinha gosto
De sorvete de chocolate.

Agora que não  sou mais menino,
Carrego nos olhos o passado,
Sem ver o futuro
Dos filhos de outras infâncias 
Em um mundo que ainda não  existe.

Tudo não  passa de faz de conta.


VIDA CÉTICA

Nada espero dos outros
E pouco exijo de mim
Em um mundo que parece feito
Para alegria dos loucos.

Sem esperança, 
Suporto o cotidiano
Bebendo e fumando 
Sempre a espera
De qualquer fim do mundo.

SOBRE A VIDA QUE NOS ESCAPA

Existimos na amarga impotência 
De uma vida invisivel.
Somos todos descartáveis, 
Simples estatística. 

Circulam informações, 
Análises científicas,
Sobre um mundo pensado
Contra todo  cotidiano.

Mas a margem do controle,
Do Estado, da Universidade,
Das autoridades,
E dos telejornais,
Seguimos morrendo
Diariamente,
Indiferentes aos rumos oficiais do mundo.


INCÊNDIO SEM FOGO

A cidade queima em um grande incêndio sem fogo.

Há pânico nas ruas vazias,
Angústias nas janelas,
E a morte invade as casas.

Todo dia tem gosto de noite. 
É  sempre véspera de fim de mundo.
 O cotidiano arde em febre.

A morte define a cidade.
Nada faz sentido.
Mas há quem sustente doentiamente 
A normalidade perdida
Em França nostalgia da ordem antiga.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

DESENCANTADA MATURIDADE

Passei da idade de ter esperanças, 
De acreditar no mundo
E sonhar futuros.

Sei os desastres cotidianos
Que nos definem como sociedade.
Todos os fracassos da humanidade.

Aprendi o vazio de nossas rotinas,
O abismo do nosso consumismo, 
Amores baratos e violência urbana.

A vida danificada que nos desgasta,
Que nos apaga em um fluxo de informações, 
Opiniões e espetacularização midiática,
Nos torna menos que nada.

Tudo se descarta, se recicla 
E não  significa mais nada.

Não  quero ser produtivo,
Um pós  doutor em verdades caducas.
Prefiro fugir pro mato,
Me embriagar até  o infinito.




segunda-feira, 27 de abril de 2020

O MUNDO HOJE EM DIA

O mundo tem sido um brinquedo quebrado nas mãos de adultos  frustrados e problemáticos. É algo que não  dá certo, uma obra desastrosa do bom senso coletivo e da razão de Estado.
 Estamos sempre coletivamente semeando catástrofes e nos embriagando de falsas esperanças. Má é  mais honesto acender um cigarro e sonhar com uma morte tranqüila.
 

domingo, 26 de abril de 2020

MAS A LUA ESTAVA LINDA

Morrer de gripe,
De medo
Ou de tédio.
Era a dúvida que nos restava
Durante a greve da vida...
Apesar disso,
A lua estava linda
No céu que a gente quase não via.

QUARENTENA

Respira-se a morte nas ruas.
Nenhum lugar é seguro.
E o tédio de um dia infinito
Cabe nas grades de nossas janelas.

A vida segue sem amanhã
No deserto do tempo presente
Enquanto a morte reinventa a  cidade
E o céu escorre pelas paredes do apartamento.

A normalidade toca no rádio
E a gente finge que ar não  está podre
Enquanto morre de tédio. 













NINGUÉM

O tedio de viver,
De quase ser
Um entre os outros 
É quase insuportável.

Do que adianta me saber em um rosto
Se neste desespero de ser eu
Serei sempre ninguém
Através dos outros?


terça-feira, 14 de abril de 2020

A ONIPRESENÇA DO LIXO

O tempo transforma tudo em lixo.
Sejam ideias,
Afetos,
Certezas,
Comida,
Roupas,
Móveis, 
Aparelhos eletrônicos, 
Diplomas, 
Livros,
Tudo vira lixo.

Até  o corpo,
No final da vida,
Morto,
Vira lixo.

Há toneladas
E mais toneladas
De lixo,
Dentro e fora
De casa,
Através do mundo.

O próprio ser já não é para morte,
Mas para o lixo.


quinta-feira, 2 de abril de 2020

ENTRE QUATRO PAREDES

Estar em casa pode ser também uma forma de desenraizamento, a experiência de um estranhamento de si e do mundo. 
Quantas vezes, sozinhos entre as quatro paredes de nossa ilusória  intimidade, não  nos confrontamos com o silêncio da própria vida?
 Alguns chamam isso de tédio e ligam a TV. Mas o encanto da tela  não basta para afastar o nada.Apenas mascara a ausência que nos desnuda...
Trata-se mesmo disso: de uma incapacidade para saber de si, de um estar por fora do próprio eu, quando submetidos a qualquer circunstancial isolamento.
Necessitamos dos outros, de circular por lugares e ruas, trocar palavras, criar fatos, para não nos darmos conta de nosso vazio. Mas é sempre mais difícil fugir dele entre quatro paredes.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

SUMIR DO MUNDO

Hoje queria fugir de casa.
Sair e deixar a porta aberta,
Jogar fora todas as minhas vontades.

Deixar de lado a ansiedade,
As contas,
Obrigações  tributárias
E ilusões  diárias.

Não  saber de nada,
Perder tudo.
Não  ser visto,
Nem lembrado.

Hoje queria sumir do mundo.
Amanhã, 
Quem sabe?