A BANALIDADE DOS DIAS

Hoje é domingo.

Amanhã é segunda feira.

Mas todos os dias são iguais

na prisão das rotinas,

na domesticação dos gestos

e da imaginação.

Somos todos cópias de um modelo ausente.

animais performáticos

construindo o grande espetáculo

de nossas vidas de plástico e algoritmos.

Não importa se é feriado, domingo,

dia de trabalho, de quarentena  ou pandemia.

Todo dia é qualquer dia

em uma sociedade doentia

onde monetarizamos e banalizamos a vida, a morte, a sorte e a ruina .

RENUNCIA SUICIDA

Farto de tanto querer,

de ter, de esperar,

de tentar, perder,

perseverar,vescolher, 

fazer, criar,

e tornar-se entre os outros

através do simulacro de um rosto,

repentinamente desistiu de tudo, sumiu, sucumbiu ,

abraçou o nada e desapareceu.

 Cansado de estar cansado,

partiu sem dar explicações,

sem se importar,

sem ser, sem nada dizer

ou expressar.

Simplesmente sumiu

em súbita e absoluta deserção

ou qualquer despedida 

FRACASSO

Tudo que temos

é um passado insuportável,

um presente insustentável,

e um futuro inaceitável.

Tudo desde sempre

esteve perdido

na pior versão

de um  mundo amargamente possível.

Tudo para nós

sempre foi menos que nada

e a vida possível

o mais perfeito retrato

de um caso exemplar de fracasso.

QUASE FIM DO MUNDO

O tempo passou.

Muita coisa mudou

dentro e fora de nós.

Estamos mais velhos, 

cansados, descrentes

mas,  como sempre,

terrivelmente inadaptados e indignados diante dos fatos.

O tempo passou

e o mundo piorou

com a cumplicidade

de nossas tantas omissões.

Agora,tudo que nos resta,

é contemplar o crepúsculo

profundamente embriagados

com nosso absoluto fracasso.

O dia seguinte não será divino

e muito menos humano

as vésperas de qualquer fim do mundo.

MARGINÁLIA

Para nós o intransitável

é um caminho,

um meio,

e, muitas vezes,

um fim em si mesmo.

Pois é do impróprio,

do inconveniente,

que somos feitos.

Somos inadequados

ao seu mundo perfeito.

Somos transgressores da lei e da ordem

 que sustentam sua autoridade.

Somos divergentes,

inconvenientes e perigosos,

filhos da necessidade.

A CIDADE CONTRA A HISTÓRIA

A cidade

persiste no mapa.

Mas não insiste,

parece que quase não existe,

nas ruas, prédios e máquinas

que inventam a paisagem dura

que cotidianamente reinventa

a prisão sem muros

de nossas tristes rotinas.

Mas o que define,

 afinal, a cidade

são as ausências que nos atravessam,

como a intempestiva memória,

ou quase presença,

de pessoas e coisas

que, para sempre,

 se perderam de todas as épocas.

A cidade não existe.

Ela é a vertigem de muitos passados

geograficamente organizados

contra toda ideia de indústria, trabalho, ordem e progresso.

A cidade é um desastre contra o futuro.

Um artesanato mudo,

uma arqueologia contra a memória.

A cidade, afinal, persiste

em nome do esquecimento, da preguiça e dos prazeres

que embriagam os corpos.

A cidade é um além do mundo

feito de multidão, chão e absurdos.

PREÇO

Quanto custa o dia,

a vida, a morte,

e a poesia?

Quanto custa a angústia

que causa tanta agonia

e este desespero que nos devora?

Quanto custa o que não tem preço,

o desejo de outro mundo,

a falta de um agora

que nos liberte do sempre presente?

Quanto custa tudo quando nada tem importância?

MANIFESTO PELA DESOBEDIÊNCIA DESINFORMACIONAL

Estou farto de tanto falar,

ouvir e dizer,

do congestionamento dos signos,

da confusão semiótica,

dos fóruns virtuais,

das discussões infinitas,

e de tanta significação inútil.

Não aguento mais  informação,

banalização, opinião, ruído e conflito.

Chega de especialistas, donos da verdade, dos sabetudo de plantão

a espera de oportunidade.

Chega do jogo tolo de vaidades,

da busca cega pelo poder,

do fanatismo e de toda tola confissão de fé.

Abaixo os moralistas,

os que querem nos dizer o que pensar,

como viver e  obedecer.

Sou livre dos outros e de mim

na arte de desobedecer,

de nunca me assujeitar.

QUANDO NADA MAIS FAZ SENTIDO

Há tanta coisa ruim

acontecendo todos os dias

no mundo,

enquanto existimos

dentro de nossas cabeças,

que nenhuma palavra ou verso

parece sufientemente profundo

para expressar toda a perplexidade

de estar aqui e agora

Ignorando a vida que nos atravessa

e todas as coisas horríveis ou absurdas

que neste exato momento

acontecem lá fora.

O certo é que nada faz sentido,

que tudo é incerto e terrível,

e não há nada de útil ou significativo

que possa ser dito sobre tudo isso.

UM POUCO DE CETICISMO

Não caio no jogo dos especialistas,

não acredito em verdades estabelecidas,

autoridades públicas ou discursos oficiais.

Também não sou seduzido pelo encanto duvidoso

de teorias da conspiração.

Não alimento a paranóia dos lunáticos e iluminados

ou o talento dos tolos.

Apenas não acredito em nada,

não busco nenhuma explicação pra tudo,

e para nada espero qualquer solução.

FALSO PESSIMISMO

Detesto rotinas,

convenções, convicções,

conversações e certezas.

Odeio conversas fiadas que não levam a nada,

palavras que enfeitam o tédio,

e argumentos patéticos a favor da esperança, 

de qualquer futuro de paz perpétua e prosperidade

 para todas as humanidades.

Estamos condenados,

 as vésperas de alguma bem merecida catástrofe.

Mas o  mundo há de sobreviver a cada um de  nós,

hoje, amanhã e sempre.

Pois o mundo, afinal,

nunca será humano.

O AMANHÃ É MELHOR QUE O FUTURO.

O amanhã

é a alma do tempo presente.

Pois o efeito,

sempre inventa sua causa,

cria seu próprio passado,

suas justificativas e resultados.

.

Assim, o dia de hoje 

não  passa da expectativa do dia seguinte.

Pois é no amanhã que tudo acontece.

Que a vida se define.

Já o futuro é qualquer outra coisa

que nunca corresponderá ao que existe.

Amanhã é, definitivamente ,

o que importa.

É o que desde já é possível,

e supera sempre o futuro.

Amanhã é o que foi,

o que será e o que é.

É um círculo que nunca se quebra.

Diferente do futuro que todo mundo esquece.

QUASE FIM DO MUNDO

O mundo segue moribundo.

Mas somos nós

que estamos nas últimas.

Despedaçados e sem alternativas

a espera de alguma catástrofe futura.

SEM COMPROMISSO

Quero escapara as obrigações, 

a todas as minhas necessidades.

 Sei que pouco interessa se estou vivo ou morto.

 Pois o mundo seguirá sempre,

 Indiferente a continuidade da minha ou da sua existência.

 Afinal, tudo é efêmero. 

 Nossa finita e incerta realidade carece de qualquer substância.

A vida é um ato continuo de perplexidade e espanto.

SOBRE PESSOAS E HUMANIDADE

As pessoas são estupidamente ridículas com suas tolas esperanças,

com sua fome de poder e ordem,

e desagradável mania de ter sempre vantagem  e razão.

São invariavelmente indigestas 

exibindo seus carros,

empregos, boletos,

mentiras, hipocrisias

sucessos e segredos de melhores do ano,

ou dizendo, simplesmente ,

qualquer tolice 

envolvendo alguma receita moral de humanidade.

Mesmo quando bem vestidas

como a família perfeita

da propaganda tosca de sabonete

ou estampadas em  algum  pranfreto de igreja de vocação neo nazista

elas causam repulsa e aversão.

 

Pois estão sempre buscando   a total submissão  de todos a qualquer verdade absoluta

em troca da uma duvidosa promessa de salvação.

As pessoas estão sempre se anulando em rebanhos

intoxicadas por opiniões totalitárias

ou milagrosas e absolutas  soluções e lutas.

As pessoas são, simplesmente,

insuportáveis.

INVASÃO

Faz muito tempo

que todos nós

ficamos tristes,

que quase não nos importa  viver,

e que nossa existência segue no tempo

Sem qualquer motivação para ser.

No fundo, o que perdemos

foi qualquer noção de mundo,

qualquer esperança de futuro

ou de vir a ser.

Sim. Todos nós ficamos tristes

de uma tristeza que nos faz perecer,

esquecer o passado e toda nossa razão de ser.

O chão que nos criou

já não é mais nosso,

nem mais verdeja.

Fomos condenados ao futuro dos outros.

Não somos mais senhores

de nosso próprio tempo.

O QUASE ETERNO MOMENTO QUE EXPIRA

O momento expira 

Enquanto passo pelo nosso presente,

 Pelas questões urgentes, 

Que nos desafiam a um futuro 

Que jamais viveremos.

 Tudo termina sem ser superado. Tudo é só desdobramento,

 Desabamento, de situações mal resolvidas

 Sobre nossas intenções mais ingênuas.

 Tudo se cristalizará em rotinas.

Tudo termina em ruínas.

 Nossas vidas não serão resolvidas

 Por qualquer momento seguinte.

 

Não há momento seguinte.

Estamos presos no mesmo momento incerto

desde a advento do universo 

tal como conhecemos.

O mesmo momento que continuamente expira

até o fim de todos os tempos.

O TRABALHO E O TEMPO QUE PASSA

O tempo passa....

 enquanto eu trabalho

 trocando a vida por alguns trocados.

 Tudo pra ter um teto, 

um pouco de comida 

e um bocado de dívidas.

O tempo passa...

é absurdo viver de salário.

Ser explorado, tratado como gado,

ou usado, quase como um escravo,

submetido aos caprichos de alguns poucos privilegiados.

O tempo passa...

ninguém muda o mundo

enquanto a gente quase morre de fome

reclamando deste maldito trabalho

que não vale a vida, o tempo

e a miséria do nosso ridículo salário.

O tempo passa...

e a gente não sabe a vida.

           

MARINHEIRO

 

Meus pés jamais saberão 

a segurança  de um chão.

Pois tenho sede de mar

e vontade de imensidão.

Meu destino é um adeus

sempre renovado

as vésperas de um último porto.

Todos os meus dias

 tem gosto de naufrágios

 e  sabor de despedidas.

Desde sempre tenho navegado

nas águas profundas e negras da melancolia

esperando morrer afogado

no rio que bebeu minha infância.

O DESTINO DO MUNDO JAMAIS SERÁ NOSSO ABRIGO

O mundo seguirá no rumo trágico de seu destino.

Não importa o que eu penso,

faço ou sinto.

O mundo, afinal, nem sabe que eu existo.

Nengum de nós mudará o rumo trágico do mundo

porque o futuro ainda não existe.

Mesmo que já tenha, de alguma forma acontecido,

apesar e depois de nós.

O mundo seguirá no rumo trágico de seu destino

incerto de tudo que será

depois que o futuro chegar 

e não existir mais destino.

O destino do mundo jamais será nosso abrigo.

VIDA INTELIGENTE

Caso de fato exista,

em alguma parte do universo,

vida inteligênte,

definitivamente, não somos nós.

Estamos longe disso.

Não passamos de animais que falam,

mentem e se enganam mutuamente.

Como poderíamos ser inteligentes ?

Tudo que é humano não passa de ambição e delírio.

MUNDO ATUAL

Quem tem  pouco

mantem quem tem muito.

Pois se o progresso é para todos,

 o futuro, como sempre, é garantido a poucos.

Entre os modernos,

 só importa quem tem mais dinheiro

do que pode gastar,

quem tem mais coisas do que pode usar,

quem tem tanto e mais tanto,

 que nada precisa comprar.

Vivemos em um mundo 

onde tudo se vende,

tudo tem preço

e nada e ninguém  tem valor.

AS RUAS E A REVOLUÇÃO POR VIR

As ruas estão cheias de gente.

Gente que vai e que vem,

que acorda, que dorme

e que morre,

sem saber porque foi que viveu.

As ruas estão sempre caóticas.

Mas ninguém se importa.

Todos seguem cegos entre estranhos 

para toda parte e para nenhum lugar.

Muitos seguem indiferentes

ignorando a cidade que se move

através dos seus pés,

pois apagam o mundo

com seu egoísmo.

Mas somos em todos os lugares

uma só multidão.

As ruas são nossos corpos em movimento

imaginando geografias e inventando lugares

como se tudo fosse movido

pela força de um grande segredo.

As ruas, entupidas de gente, estão sempre em mutação,

em ebulição, 

 anunciando alguma iminente revolução na soma dos seus pequenos tumultos.

O PROTESTO ESCATOLÓGICO DOS POMBOS

Quando for hora do almoço, 

hei de alimentar os pombos

 Que cagam nos carros de luxo 

 Dos chefes da nossa empresa, 

que lançam seus excrementos sobre a  viatura policial,

 sempre parada na esquina,

 a garantir a segurança dos empresários. 

 Quero mostrar toda minha gratidão aos bons camaradas penados,

 Sempre prontos a atentar contra a empresa e o pudor.

Eles me representam.

 Sei que não vão mudar o mundo com sua fisiológica delinquência, 

Mas eles salvam meu dia 

e renovam minha paciência.

ALUCINAÇÃO

Preciso estar sempre

a margem da lei, da ordem,

e da lucidez.

Pois não me bastam sobre-vivências,

 rotinas e conformismos.

 Preciso estar sempre em fuga

resgatando vertigens e abismos,

rasgando certezas, limites e descaminhos

enquanto  visto minha melhor loucura.

Preciso de um trago de delírio,

da companhia de uma  garrafa de absinto,

 Para suportar a realidade, 

frertar com o absurdo,

desviar do caminho,

e redescobrir meus instintos.

O mundo é uma ilusão que me fere,

que me mata,

e que me esquece.

Mas é tarde demais para o mundo.

DIA E ROTINA

Um naco de pão fresco e meio copo de café preto.

Assim começa mais um dia.

Que não é meu,

nem de ninguém.

Onde as rotinas são maiores que a vida

e o trabalho nos mantém quase escravos

para alegria de uma minoria branca e rentista.

Não esperem nunca que seja um bom dia.

Mas acenda um cigarro,

e conspire

durante o intervalo do meio dia.

DESOBEDEÇA

Inventem um grito,

um soco,

um chute

ou qualquer discurso contra os fatos.

Não aceitem a realidade,

nunca se conformem.

Um dia tudo sairá do controle.

A vida de hoje não é para sempre.

Mas é preciso desobedecer 

para saber o que será

depois de todo amanhã possível.

Todos os deuses ou senhores

conspiram contra o dia seguinte.

.

REFLEXÕES OUTONAIS

Os anos passaram.

Envelhecemos

e pouco vivemos

convencionalmente existindo

entre os outros.

Sim. Envelhecemos.

Não somos mais os mesmos,

mas não mudamos o suficiente

para transformar a vida

ou mudar o mundo.

Tudo deu em nada.

Nunca fomos felizes.

O futuro é uma rua que se estreita.

Os anos passam sem amanhã

enquanto envelhecemos em silêncio.

DESISTÊNCIA

Tudo que eu queria agora

era poder dormir até o fim do mundo.

Esquecer de tudo,

não participar de nada

e deixar minha vida escorrer pela pia

como água fria jorrando de uma torneira quebrada.

Queria sonhar, talvez, contra o pesadelo da realidade.

Depois esquecer, ser esquecido,

e desaparecer de vez

em uma nuvem triste de fumaça

que se perde em um  céu nublado.

TENHA UMA BOA NOITE DE SONO

Tenha uma boa noite de sono

para depois suportar mais um dia de merda

com o espírito renovado e um sorriso no rosto.

Afinal, quase todo mundo precisa trabalhar para sobreviver.

Então, pareça feliz e grato por tudo.

Siga sempre em linha reta.

Acredite na ordem e no progresso.

Seja explorado, fique cansado,

mas nunca desista dos seus sonhos.

Depois tenha outra boa noite de sono.

Esteja sempre satisfeito,

apesar de tudo.

Afinal, as coisas são como são.

Não há como mudar nada.

Acredite: Vivemos no melhor  dos mundos possíveis.

Seja feliz ou morra.

Não importa.

Tenha uma boa noite de sono

e uma vida medíocre.

A VIDA NÃO MORA MAIS EM NÓS

A vida segue sem substância,

sem numen, 

através das vazias rotinas de uma existência danificada,

de paisagens massificadas, desinteressantes

onde as coisas e o eu importam mais do que o corpo e a natureza,

onde é quase impossível habitar.

A vida não vive mais em nós.

Agora, apenas as coisas tem alma e imaginação.

Apenas as coisas importam em tempos de reprodução infinita do que ainda será.

Nossos futuros inventam novos passados.

Os sonhos tornaram-se verbos

e não temos mais onde morar,

pois a vida não mora mais em nós.

O MUNDO NÃO É HUMANO

Toda consciência

é o ilusório artifício

de um organismo vivo.

Quase um delírio da matéria

provisoriamente organizada

em um corpo.

Já a vida é um atributo da espécie,

mas acontece através de cada indivíduo.

Sendo, entretanto, 

 a consciência individual

 um apêndice da vida coletiva.

Por isso 

não quero, 

não sinto,

não penso,

não existo.

Não tenho alma ou espírito

no indeterminismo virtual da vida

que define o jogo

entre matéria e energia.

Toda inteligência é só um artifício cego.

Tudo que vive

existe sem razão

na ilusão de que há algo além do nada.

O CAPITALISMO COMO RELIGIÃO

Tudo que importa é sob-reviver,

produzir, multiplicar, acumular,

mandar, conquistar, colonizar.

vida é verbo,

domínio sobre os outros,

sobre o mundo, as coisas

e sobre todo o universo.

A pilhagem inventou a civilização,

o Estado e a Razão.

É melhor mandar do que obedecer

no divino exercício da opressão.

Tudo que importa é  que nascemos para colonizar e transformar a terra.

Viver não importa.

O importante é juntar,

multiplicar,

alcançar o infinito das coisas,

distinguir -se dos outros.

Fazer de si mesmo um cristo bem sucedido.

ANONIMATO

A margem do mundo,

das pessoas, do tempo,

e de tudo!

Assim quero levar minha vida

até que minha existência se esgote.

Nada me importa.

Nem mesmo minha sobrevivência.

Quero estar fora do jogo,

sem alma, vontade  ou rosto.

Nada me importa

e não importo a nada.

Serei em silêncio

 consumido em segredo

pelo meu próprio fogo.

O CONSERVADORISMO DO PROGRESSO

O progresso é um presente

 que muda para não transformar, 

que mantem os discursos arrumados na boca, 

e a vontade calada  

pelo determinismo dos fatos cotidianos. 

O progresso é sempre conservador,

através dele as coisas mudam para continuar a ordem de sempre.

CONTRA O TRABALHO

Não espero trabalho,

emprego,

ou diplomas.

Não quero ser qualificado,

produtivo ou explorado.

Quero ter tempo 

para perder tempo,

não fazer nada.

Não quero ser milionário.

Prefiro viver uma vida

que faça valer a pena

o passar dos anos.

O JOGO DA VIDA

Não sei o que falta, 

O que sobra, ou o que resta. 

Só sei que é pouco,

Como tudo na vida,

e que amanhã 

pode não ser outro dia. 

 Viver é qualquer coisa

que nos escapa,

é o que perdemos ou ganhamos

em um lance bobo de dados,

em uma aposta vazia em qualquer resultado

que mal cabe na ilusão de um gesto.

É a sorte, 

é a morte

e um silêncio,

ou, simplesmente,

aquilo que nunca se sabe,

aquilo que foge ao controle.

A essência da vida é o jogo

lúdico do corpo.

ANONIMATO

 Continuarei aqui

trancado em mim mesmo

dentro e fora do mundo

fazendo de conta

de que sou alguém.

De forma alguma

trata-se aqui de uma opção.

Mas quem se importa?

O que importa?

A vida não é uma equação

esperando para ser resolvida,

mas o desenho tosco de uma criança

Esquecido no mural de um jardim de infância.

ROTINA URBANA

Não importa o pálido riso parido

entre um café e um suspiro 

ou a piada cretina cuspida

entre o vão e a plataforma

na estação de metrô.

Nada importa.

A vida é triste e sem sentido

e isso não vai mudar.

Agora o que importa

é jogar  o lixo fora

antes das oito horas

quando o lixeiro irá passar.

Não tenho qualquer motivo

para seguir em frente,

razão alguma para ser feliz,

enfrentar o tempo presente

ou lutar contra a sorte

apertado em um vagão de trem de subúrbio.

Mesmo assim, como quase todo mundo, sobrevivo, apesar de tudo.

QUALQUER DIA SEREI MARGINAL

Qualquer dia

ainda descubro

o jeito certo

de me perder no mundo,

de escapar a multidão,

a humanidade, 

a lei, a ordem  e ao Estado.

Viverei em total anonimato,

do lado de fora da ordem,

dos consensos e identidades 

que nos conformam a prisão de tantas rotinas e opiniões.

Serei livre de mim e dos outros,

 dos artifícios e simulacros digitais

que me reduzem a um avatar

ou a qualquer passiva cobaia

de algum experimento científico.

Qualquer dia poderei dizer

contra tudo e todos

que não existo,

que não sou e não faço sentido.

Ou que  sou liso, leve e solto

sem qualquer motivo.

Qualquer dia serei herói,

serei marginal.

IGUALDADE

Nunca fui destes que buscam um lugar ao sol,

que por vaidade ou ambição

perseguem a honra de qualquer sobrenome.

Nunca quiz existir acima dos outros.

Sempre desprezei a hipocrisia dos líderes,

as mentiras dos pastores,

as autoridades e competições públicas.

Sempre me bastou ser ninguém,

ficar preguiçoso entre os meus pares

exposto ao calor de um mesmo sol.

A vida, afinal, é um pequeno nada

que dentro de nós aos poucos se apaga em vão.

Cada um de nós

é menos que nada.

QUASE EXISTÊNCIA

O Mundo escapa

entre a banalidade e o tédio

do acontecer cotidiano.

A vida se esvai

entre o sentido e o não sentido,

entre o agora e a memória.

Tudo passa,

Tudo foge.

Neste instante,

eu quase existo

em um movediço aqui e agora.

A REALIDADE

A realidade não está nos fatos,

nos afetos ou nas palavras.

A realidade está no jogo dos nossos atos,

em nosso modo de viver porcamente,

de sobreviver precariamente,

indiferente ao futuro.

A realidade é tudo  que nos torna medíocres e obedientes.

Ela é  tudo aquilo que nos conforma e mata.

A realidade é aquilo que não existe,

é a verdade que não somos.

A VIDA COMO CAUSA PERDIDA

A vida não é um banal exercício de consciência,

Não é livre arbítrio,

causa e efeito,

ou uma  evolução em direção a qualquer objetivo humanista.

A vida é um inútil acúmulo de tempo,

esquecimento e silêncio,

uma dedicação continua

 a causa perdida da nossa sobrevivência.

A vida é o tédio dos dias e das noites 

onde nada é perfeito ou eterno.

NINGUÉM

Sou um ninguém,

um errante e um desconhecido,

que nada tem a dizer de importante

e que nada espera do mundo.

Não me curvo a rebanhos,

autoridades e princípios.

Abomino  eruditos,

narcisistas e moralistas.

Escrevo meu próprio destino

Indiferente a todos os caminhos,

 livre de identidades e determinismos.

Não tenho opinião sobre nada.

Sei que o mundo não faz sentido

e que todos os caminhos levam a morte.

O MUNDO DE HOJE

O mundo de hoje,

repete ilusões antigas,

celebrando fabulosas tecnologias

em nome do progresso da humanidade .

É um mundo de futuros perdidos,

de ambições desmedidas,

miopias coletivas,

autoritarismos, vitalismos,

nostalgias e incertezas

inspiradas por qualquer ideal massificado de felicidade.

Mas é certo 

que nada que é hoje

sobreviverá amanhã

e que o mundo de hoje

não deixará saudades.

SOBRE OS LIMITES DA VIDA

Nossas vidas jamais serão serenas e tranquilas

 Como a paisagem morta de uma velha fotografia. 

Nossos dias terão sempre gosto de caos, ansiedade,

nossas biografias permanecerão inconclusas.

 Esqueça, portanto, qualquer ideal de felicidade. 

Viver é correr na contramão da existência, Sucumbir a inútil luta pela sobrevivência.

 É se perder em uma rua de mão única 

e, na confusão dos seus próprios passos,

até desaparecer sem alarde

no silêncio dos abismos do nada.

A VIDA QUE SEGUE

A vida segue

como um jogo

de perguntas sem respostas.

Segue rumo a frustrações e perdas

acumuladas com os anos

que nos consome o corpo.

A vida  segue,

Como uma busca sem objeto,

uma luta sem sentido pela sobrevivência

que diariamente nos escapa.

E cada um de nós

segue enquanto pode

na contramão da vida.

O SILÊNCIO DO MUNDO

Eu que não sou

parte de coisa alguma,

que me declaro ignorante,

 inútil, ocioso e niilista,

até que a morte me cale para sempre,

Não me importo com o futuro da humanidade.

Melhor mesmo, seria não haver nenhum futuro,

não existir humanidade.

Mas tão somente a insignificante vastidão do mundo

enterrado em absoluta inconsciência de tudo.

OUTRO DIA

Não importa se hoje é outro dia.

A vida ainda é a mesma de ontem.

O mundo continua desigual e injusto

enquanto atrocidades viram notícias.

Talvez minha vida termine

inesperada e tragicamente

na próxima esquina

e este seja meu último dia.

Será mesmo outro dia

ou apenas o mais do mesmo de sempre

de uma maldita rotina?

QUE MUNDO É ESSE?

Que mundo é esse

que me engole diariamente a existência,

onde sou apenas o esboço de um eu

rascunhado nos outros?

Onde tudo é quase impossível,

e a vida é organizada

para manter hierarquias, privilégios 

e absurdos,

afirmando o bem estar de tão poucos?

Afinal, será que isso é mesmo um mundo?

Digam-me agora

se há ainda em nossa cotidiana agonia

algum resquício significativo de vida!

E, por favor,

não me falem para esperar

benesses no reino de algum outro mundo!

A vida é a agonia do agora,

a impossibidade do sempre.

MUDANÇA OU TRANSFORMAÇÃO ?

As épocas mudam,

os lugares mudam.

Pessoas morrem,

Pessoas nascem

entre o cotidiano e o desastre.

Nada, entretanto,  transforma.

Toda mudança conserva,

contra nossas esperanças,

 as rotinas que nos conformam

ao eterno retorno do nada.

Mesmo assim,

ainda sonhamos

com o vento fresco

de alguma redentora revolta,

recusamos com veemência

o vazio dos

 conformismos e  obediências

que consagram,

 entre tantas mudanças,

a manutenção dos poderes que nos sufocam.

Que nada limite nossa imaginação,

nossa fome de destruição,

nossa vitalidade, 

nossa raiva contra tudo que define

a sociedade contemporânea.

ENTRE O SONHO E A AÇÃO

Não posso mudar o mundo.

Nem mesmo sou capaz

de transformar minha vida.

Mas posso sonhar o universo,

vislumbrar outros tempos e modos de ser,

compartilhar meus sonhos,

até que eles se transformem

em um delírio coletivo

contra o lamentável conjunto de coisas

 que nos conforma a existência

e definem o absurdo de nossa realidade.

CONTRA A NOVIDADE DO SEMPRE IGUAL

Jamais estaremos seguros.

A vida é um turbilhão de incertezas,

Pequenos desastres e grandes perdas.

Apesar disso,

As coisas não mudam.

mesmo que nunca permaneçam as mesmas.

O pior conservadorismo

é justo o que vive de novidades

se alimentando de nosso inconformismo.

Contra ele aprendemos a exigir o impossível

na intuição do inconcebível,

desinventando futuros.

A VIDA NÃO VENDE JORNAL

A vida não cabe na informação

Que entre nós diariamente circula

como espetáculo,

simulacro e emoção.

A vida é outra coisa

que transcende 

nossas degradadas formas de expressão,

comunicação e silêncio.

A vida não vende jornal.

Não se conforma a informação.

Pois não passa da consagração

do não sentido do efêmero,

do banal e do cotidiano

que nos devora em silêncio

através do tempo.

A vida é a assignificante elegância 

da superficialidade do caos.

NOSSO MUNDO DOENTE

Nosso mundo doente

desaprende a matéria,

desinventa a humanidade,

e cria outras substancialidades

na transfiguração dos quatro elementos.

Um dia outros mundos serão visíveis,

 outras realidades se farão possíveis,

e nosso mundo doente

Há de desfazer-se um outro,

através do universo, 

no além de todos os tempos.

A BANALIDADE DA EXISTÊNCIA

Existo para fazer quatro refeições por dia, Pagar tributos e serviços.

 Consumir arte, ilusões e banalidades

  Porque ninguém vive apenas de realidade.

 Existo, para ser um número,

 votar e obedecer, 

seguir padrões,

 sobreviver,

quase não ser, 

quase existir, 

antes de morrer. 

Acho que isso é tudo,

embora o essencial

sempre fique por dizer.

CONFISSÃO DE UM CONFORMISTA

Na estupidez dos meus dias

Cabe a melancolia,

a apatia e a náusea

de uma existência insignificante.

Cabe tudo que me transborda,

Sufoca e reduz a vida  a prisão.

Só não cabe esta esperança,

esta vontade sem solução,

que extrapola  toda angústia,

e o desamparo da solidão.

ARBÍTRIO

Não escolhi esse tempo,

esse país,

essa vida,

ou qualquer um

dos meus pensamentos,

lamentos e sentimentos.

Tudo me foi imposto pelo acaso.

Nasci, irei morrer,

viver meus lutos,

e nada disso está sob o meu controle.

Então, não me falem em livre arbítrio.

Pois, se eu pudesse qualquer coisa,

mudaria agora mesmo o mundo

ou, talvez, simplesmente,

jamais teria existido um mundo.