A VIDA CONTINUA?

A vida continua...
Através da insônia,
Da ansiedade,
Da falta de dinheiro,
E desta vontade
De fazer da janela
Uma porta.

A vida continua...
Mas quase não respira.
Desespera.
E o pulso grita:
Liberdade!

FRENTE AO ABSURDO DE SER EU

Vivo a angústia de sempre querer outra coisa.
A vida que tenho não me basta.
Tenho fome de mundo, de caos e absurdo.
Quase não suporto a aflição de ser eu.
Como poderia?
Não me conformo a prisão de qualquer identidade.
Abomino convicções e rotinas.
Me recuso a existir como um conformista
Fadado ao conservadorismo de mim mesmo.
Não possuo instinto de sobrevivência.

UM POUCO DE REALISMO

Não me falem sobre religião e esperança.

Prefiro enfrentar minhas dificuldades com honestidade,

Sem recorrer à providência divina.

Não aposto nos caprichos da deusa Fortuna,

Nem mesmo na hipocrisia de empreendedorismos.

Prefiro fugir a lógica dos vencidos e dos vencedores.

Ser apenas um insatisfeito,

Alguém que não nasceu para nada,

Que nada pretende além de um mínimo de paz de espírito.

Mesmo que isso pareça, às vezes, quase impossível.

OS OLHOS FECHADOS DO PENSAMENTO

" fechando o olhos do espirito- Ainda que treinados e habituados a refletir sobre as ações, temos que fechar o olho interior durante o agir mesmo ( seja este apenas escrever cartas, comer ou beber). E na conversa com pessoas medianas é preciso saber pensar com os olhos de pensador fechados- a fim de alcançar e compreender o pensar mediano. Este pensar os olhos é um ato perceptível, que se pode realizar com a vontade."

Frederich Nietzsche in O Andarilho é sua Sombra

Fechar os olhos do pensamento nos permite melhor orientar os atos.

Agir exige pouco reflexão. Muitas vezes apenas meia dúzia de raciocínios banais e automáticos  bastam.

Não temos tempo para saber o que estamos fazendo. Mas o pensamento adivinha significados onde os gestos dizem apenas objetivos pragmáticos e imediatos.

É como acender um cigarro. O ato se impõe através da vontade. O pensamento condena. Mas tem os olhos fechados. Evita o conflito com o ato.

Conversar com um cigarro é o mesmo que conversar com uma pessoa mediana. Não há nada o que esperar da conversa. Mas ela pode ser uma experiência inevitável em uma noite solitária.

CONTRA OS MORALISTAS

Não precisamos de moralismos para cultivar virtudes. Na verdade o moralismo é normativo e hipócrita. Ninguém nunca está a altura de seu ideal pudico de conduta. Por isso, qualquer moralismo,  só alimenta o ódio latente nos que perseguem duvidosas  fórmulas de perfeição e retidão pretensamente universais. Para isso precisam eleger inimigos, escolher "os imorais" e "pervertido" para negar a si mesmos como os verdadeiros inimigos do seu próprio ideal impossível. Há algo de parasitário em sua relação com seus ideiais...

A virtude é uma sofisticação de espíritos livres e atentos aos seus próprios limites. Eles não tem tempo para tentar salvar o mundo de si mesmo. Não cultivam modelos ou o autoritarismo de abstratos princípios universais.

COISAS SIMPLES

Gosto de coisas simples,
Destas que não levam a nada.

Cigarro, cerveja, petiscos
E uma boa música ao fundo,
Bem preenchem o vazio,
Dissimulam o tédio
E decoram a solidão.

É bom ter tempo
Para perder tempo.
Isso impede que a gente enlouqueça.

COMO LIDAR COM O MUNDO

A maioria das pessoas vive como crianças birrentas. Reclamam do mundo simplesmente porque ele não é do modo que acham que ele deveria ser.

Mas a elegância da vida esta em sua imperfeição, na sua vocação para o caos. A perfeição é um tédio perseguido por todos os ditadores e seus decretos. Prefiro um mundo de coisas imperfeitas onde tudo muda o tempo todo, onde nada é definitivo e não existe ponto final. Viver é estar sempre procurando uma forma de mudar as coisas.  O mundo é como um brinquedo quebrado. Mas isso não nos impede de brincar com ele.

SOBRE O DIZER E O FAZER

Entre as coisas que eu faço e o que eu digo, há sempre um abismo de dúvidas e incertezas.  Não creio em mim mesmo tanto quanto duvido dos outros.

Acho, por exemplo, que a vida só tem sentido depois de algumas cervejas. A felicidade é para mim estar sempre bêbado. Afinal, ninguém aguenta a realidade o tempo todo.

Infelizmente não posso fazer do que digo o que faço. A embriaguez tem sempre seu dia seguinte, sua agonia de lucidez.

A TV E O TÉDIO

A banalidade do cotidiano acorda tédios. 

Torna impossível evitar o cigarro, a ansiedade, e esta certeza de que nada de especial vai acontecer.

Queria pedir uma pizza, mas não tenho dinheiro.
Por isso ligo a TV e me esqueço.
A TV  oferece contra mim mesmo
O consolo de um mundo que não existe.
Ela existe para enfeitar o tédio.
A TV sempre tem gosto de século XX.

A NOITE

Dentro de mim a noite inventa abstratos territórios.
Neles reinam cansaços, dúvidas e silêncios. 
Tudo se faz movimento....
Tudo escapa em meus pensamentos.

A noite reinventa os espaços,
Pesa no corpo.
Torna indesejável à fatalidade do dia seguinte.

A noite é singular e plural,
Quase fora do tempo.
Tudo nela é obscuro,
Incerto e imprevisível.

Ela inventa a intuição do segredo,
O inacessível da vida que sempre buscamos
Ao raiar do dia.

INSUPORTÁVEL ROTINA

Um café,
Um cigarro
E um suspiro.

Assim o dia tem início
Em adivinhações de precipícios.

Começar tudo de novo,
Repetir ansiedades e angústias.
Tossir solidões,
Esperar a hora do almoço.

A vida é um ritual ridículo
Fora do estado de natureza.

MEDIOCRITOCRACIA

A vida acontece sem pompas,
Sem aplausos, sem brilho,
Sem glórias.

Somos todos medíocres.
Muitas vezes dementes.

A vaidade não passa de auto engano
E ninguém é digno de admiração.

Cada pessoa é um nada,
Um ponto sujo na terra.
Coitados daqueles que se julgam bem sucedidos.
Eles não sabem o quanto são ridículos.

NÃO CONFIE EM NINGUÉM

Aprendi a não esperar nada dos outros.

A maioria das pessoas não vale um bom dia. Os animais, ao contrário, nos tornam mais humanos do que colegas de trabalho, funcionários públicos, políticos, policiais ou religiosos.

A presença humana em geral me oprime. A grande maioria dos meus semelhantes dissimula perversidades, fraquezas e patologias. É muito difícil confiar em alguém, lidar com o lado sombrio que todo mundo tem.

ALIENAÇÃO

Parece que os dias quase se repetem...

A rotina impõe o habito.

E quase não sou capaz de inventar novidades.

Acho que preencho meu tempo com uma única atividade:

Sobreviver como apêndice de um meio social.

Meu rosto é igual ao de todos.

Meu corpo é parte do povo.

Minha existência é nada.

Assim vou vivendo,

Aos poucos morrendo,

Em um mundo que me ultrapassa,
que se quer me enxerga.

AINDA HÁ FUTURO

Hoje quase nada nos parece possível.

Os fatos estão cristalizados

E as situações consolidadas.

                                    

O vento da novidade já não sopra.

Mas mesmo assim persistimos.

Seja por teimosia, ilusão, desespero,

Ou inercia,

Ousamos a miragem de novidades

Contra a monotonia do sempre igual.

Afinal, a terra ainda gira e o mundo muda

Apesar das inercias e dos conformismos.

A vida ainda habita o horizonte apesar da morte.

O futuro ainda nasce de novo através de cada criança.

DETERMINAÇÃO

Apesar de tudo,

Persistimos contra o destino.

Seguimos contra a corrente

Enquanto a vida acontece urgente.

Tudo é efêmero,

Quase silêncio.

Nada importa o agora.

Existimos para o esquecimento.

Mesmo assim persistimos.

Buscamos qualquer coisa maior do que o tempo.

UM POUCO DE PRAZER....

O que realmente importa na vida é o quanto de prazer você consegue arrancar das horas duras e secas do cotidiano. Já que não é possível escapar a rotina, ao tédio e ao desespero do ordinário dia a dia, que nos seja possível pelo menos algumas horas de riso e  lúdico.

Que a alegria não se reduza a experiência de infância, mas que nos defina em todas as fases da existência, como um modo de ser, um princípio ético, acima de qualquer outra coisa.

Qualidade de vida é uma questão de prazer.