TUDO POR DINHEIRO

No fundo não  há um bom motivo para levantar da cama todos os dias.

Estamos presos a rotinas vazias,
Obrigações  cretinas e relações  degradadas e superficiais.

Perdemos a maior parte do tempo nos dedicando a ganhar dinheiro,
Gastar dinheiro
E a querer dinheiro.

Nossos dias quase não  tem cor.
Mas amamos as coisas banais
Que o dinheiro pode comprar.

NOSSA CONFORMADA INSATISFAÇÃO

No fundo todo mundo sonha em ser outra coisa, em  fugir do que a sociedade faz da gente.

Ninguém quer continuar enterrado em uma persona reproduzindo qualquer rotina insatisfatória. Mas é  para isso que continuamos mandando nossos filhos a escola.

Não  passamos de inconformados adaptados ao fracasso. Não  acreditamos que a vida pode ser diferente. Mas nos iludamos com a mediocridade possível, mesmo sonhando em ser outra coisa.

LIMITAÇÕES

Todos os dias me defronto com minhas angústias, ansiedades e necessidades mais banais.

Sou surpreendido, sempre de novo, pela minha pequenez, parcialidade, carência e tendência a repetir o mesmo padrão  de comportamento falho.

Todos os dias confirmo meus limites, inércias  e ilusões em meio as contradições do mundo e da vida cotidiana.

toda mudança, neste contexto, não passa de mera deteriorização.

CONDOMÍNIO

Há olhos nas janelas,

Bocas nas portas,

Pessoas na sala.

O elevador nunca para.

Todo tempo há um

Dentro e um fora.

O prédio ferve,

Gente acontece em febre

Entre quatro paredes.

 Há paz apenas nos telhados.

Todo o resto é movimento,

Vozes, agonias e gestos.

Entretanto,

Os moradores daquele prédio

Nunca se encontram.
todos estão presos a familiaridade
de suas pequenas gaiolas habitacionais.

SEGUNDA FEIRA

Era segunda feira,

E eu não sabia o que fazer da vida.

Precisava fugir do trabalho,

Ter tempo pra consulta medica,

Para pegar o filho na escola,

E comprar o presente de aniversário da sogra.

O dia não cabia no relógio.

Eu era um quando precisava ser muitos.

Mas minha mulher queria que eu fosse ao mercado.

Era segunda feira.

E eu detestava minha vida!

ESCUTA NOTURNA

A noite reinventa o corpo.

Os sons ganham forma

No colo da madrugada.

Posso escutar o silêncio,

o interior das coisas inanimadas,
bem como o movimento da minha pele.

Se o dia é feito para ver o invisível,
A noite existe para  ouvir indizível.

UMA BOA NOITE

No final do dia,

Só  espero poder dormir
Sem expectativas ou esperanças.

Dormir como quem morre,
Esquecer absolutamente de tudo,
Sem qualquer traço  de ansiedade.
Poucos são  capazes disso.

O dia seguinte deve ser sempre
Uma terra distante,
Estranha e desconhecida,
Apesar do peso angustiante de toda rotina.

ESPERANÇA

Insistimos em acreditar que o futuro pode dobrar a próxima esquina e apagar todas as dificuldades .

Mas ele nunca chega. Tudo é sempre diferente do prometido por nossas expectativas. 

As dificuldades persistem.

Como, então, suportar a existência sem uma boa dose de ilusão ?

Afinal, a esperança  nunca morre.

Ela sempre sobrevive a gente.

Ninguém é  dono da própria esperança. 

Ela persiste, apesar da gente.

ABSURDO

Tudo  é barulho lá  fora.
O mundo anda sempre
Mergulhado no caos.

Por toda parte
Galopa o absurdo.
Ele dita a lei natural
Da humanidade.

Melhor seria
Não  sair da cama.
Esperar por qualquer
Outro dia.

Hoje é  tarde demais.

A SOCIEDADE É UMA GRANDE PRISÃO

A rotina doméstica é  uma prisão tão  eficiente  quanto o local de trabalho. Somos reféns da manutenção da ordem pública até  mesmo dentro de casa.

Todo espaço que decora nossa rotina é  uma cela diferente. Não  passamos de prisioneiros incapazes de imaginar uma vida fora da prisão. 

PORQUE FUMAMOS?

Minhas roupas fedem a cigarro

Assim como meus dedos encardidos.

A presença do cigarro é toxica

E corrompe o corpo e o ambiente.

Mas nada disso me faz parar de fumar.

Ninguém busca um cigarro

Por suas virtudes.

Mas pelo modo como ele doma a ansiedade,

Que nos afasta do desespero,

De uma vida pior do que os males do cigarro.

Fumamos porque parte de nós

Já esta morta.

VIDA INÚTIL

Nunca soube o significado de uma vida livre.
Estive demasiadamente ocupado em sobreviver,
Ver os anos passando,
Meu tempo acabando,
E nada de importante acontecer.

Vivi para o mundo , negando a mim mesmo.
Nunca fui livre de ser apenas o que esperavam de mim.
Hoje não me conheço
E é tarde demais para me reescrever.

UM DIA SEM QUALIDADES

Hoje será um dia sem data,
Não  corrompido pelo calendário,
Pela História,
Ou por toda desgraça de mundo
Que nos povoa.

Um dia ilegível,
Limpo de todos os fatos,
Onde seja possível a vida
Sem qualquer adjetivo ou propósito.

Hoje será a realização do impossível
De horas sem tempo de liberdade.

Hoje serei apenas meu corpo
Nu e urgente na paisagem.

LAMENTO DE UM CONFORMADO II

Nunca mais vi um por do sol

Ou provei o conforto dos pés sobre a grama.

Nunca mais tive o calor do futuro

Ou adivinhei os segredos do  sol.

Minha vida tem sido estar conformado

Entre pequenos atos de consumo

E porres homéricos.

LAMENTO DE UM CONFORMADO

Tive mulher, filhos

E casa própria.

Tudo bem previsível

Como tinha que ser.

Só nunca tive a alegria

De pertencer a mim mesmo.

Nunca briguei com o mundo.

Nunca fui alguém

nesta terra de ninguém.

DEPOIS DO TRABALHO

Depois do trabalho
Vou sair por aí
Para saber da cidade,
Beber a noite
E rever uns amigos.

Tudo que importa
É acumular boas lembranças.
Vivemos para colecionar memórias.

Aproveite o momento.
Não existe futuro.
É  sempre hora de embriaguez.

Mas só  depois do trabalho...

NOTA SOBRE O TRATO SOCIAL

Entre as pessoas que a gente suporta e aquelas que a gente gosta, existem as que não importam. Ela é normalmente a  categoria mais numerosa e decisiva  na rotina de nossas sociabilidades cotidianas. Para nós “os desimportantes” não existem, apenas enfeitam o ambiente. Mas quanto mais numerosos  são aqueles que não importam, menor a atenção dispensada aqueles que não suportamos. Quanto menos interessante o conjunto de pessoas que convivemos, mas fácil lidar com elas e mais nos afastamos daqueles que não suportamos.

BANHO GELADO DE MAR NOTURNO

O mais ininteligível de um momento inumano se apoderou de mim naquela noite fria. Bastou um banho gelado para que todo o meu corpo experimentasse qualquer coisa maior, uma experiência que quase me arrancava de mim.

Minha pele gritava  enquanto o coração corria no mesmo lugar do peito. Já não era eu que sentia o frio, mas o frio que me sentia. Isso durou apenas quase um minuto. Mas foi para mim como um sem tempo de absoluta materialidade.

Não duvidem. O extremo de um banho gelado em uma noite fria pode trazer os pensamentos para pontas dos dedos. A gente não sabe, então, a diferença entre uma palavra e um uivo. Isso é o mais profundo que consigo de contato com o irreconhecível de mim mesmo.

O frio me fez provar um mar inteiro na extensão do corpo. Dentro dele eu mal sabia de mim....

Um bom banho frio equivale a uma percepção arcaica do mundo, é como transpor  toda significação e familiaridade das coisas. Não há maneira melhor de saber o mar.

UM POUCO DE PESSIMISMO

Sozinho, no fundo da madrugada, quase todo mundo um dia já  pensou em desistir de alguma coisa. Muitos, até  mesmo de viver.

A vida adulta é uma insanidade que fere o resto de infância que carregamos como a melhor parte de nós. 

O mundo realmente não  vale a pena. Mas desistir não  é  uma resposta. A vida é  um problema  sem solução.