O OUTRO DA VOZ

VEJA

DIÉTA

Um dia banal,

Uma dose de agonia

E um pedaço farto de tédio,

Foi hoje minha dieta existencial.

Assim segui em minha existência,

Em meus descontentamentos

E desencontros com o mundo.

QUANDO NADA FAZ SENTIDO

Estou à espera de algumas respostas a perguntas que não fiz a mim mesmo. Normalmente quase me afogo em duvidas. Poucas são as certezas que levo no bolso para suportar os abismos que me espreitam. Por isso sou provisório, precário e triste. Nunca sei o propósito e consequências dos meus atos. Estou sempre a deriva em um mundo que é simulacro, ilusão e espetáculo.

Viver é um problema sem solução.

A VIDA É TRISTE

Todos os meus problemas podiam ser reduzidos a um: minha má vontade com relação  à vida. Desde que me entendo por gente tenho pouca paciência com as coisas mais cotidianas, com a banalidade do imediatamente dado.

Viver é tedioso e enfadonho. Não é divertido quando levamos tudo demasiadamente a sério. Aprendi a ver a vida como ela é, sem o conforto de convicções e valorações ingênuas. Nada é realmente significativo ou importante. Tudo é precário e sem sentido. Há muito motivo para desespero quando encaramos as coisas de um ponto de vista objetivo. Não desejo isso a ninguém.

DENTES PODRES E UMA BOA BEBIDA

Quando guardamos alguns dentes podres na boca, nenhuma refeição é saborosa. Alimentar-se torna-se um sacrifício, como muitas outras coisas pequenas e cotidianas. Então, nos acostumamos a comodidade de uma boa bebida. Assim esquecemos dos dentes, da fome, e até mesmo da vida. Aliais, não há nada melhor do que esquecer da vida.

Não há nada melhor do que uma boa bebida.

SOBRE FULANO E FULANOS

Preso a um campo estreito de experiências concretas, fulano seguia sua vida. Seu mundo era limitado pelo seu cotidiano, certezas e crenças. Vivia apenas de suas pequenas coisas rotineiras, de seus afazeres metódicos e vazios profundos diante da expansão do universo.

Fulano era um entre outros fulanos que, de tão diferentes, eram como ele. Fulanos interligados pelo lugar comum de discursos e hábitos que desvelavam a realidade domestica de um pequeno lugar de mundo.

A vida no fundo é pequena e medíocre quando nos distanciamos de tudo aquilo que nos é familiar e domestico.

INÉRCIA

Mais um dia para ser esquecido.

Não aconteceu nada de especial,

Nada fez muito sentido.

As horas passaram no relógio.

Apenas isso.

Percorro o deserto do meu destino.

Tudo em mim é necessidade e urgência.

Minha vontade sangra.

Meu caminho é uma prisão.

Mas continuo seguindo em frente.

Tudo é uma questão de inercia...

A ARTE DA MEDITAÇÃO EMBRIAGADA

Gosto de beber para pensar. Por isso sempre prefiro beber sozinho. Conversas atrapalham a bebida, nos prendem demais as coisas cotidianas e aos problemas do mundo. Embriagar-se é uma estratégia de evasão e não de socialização, ao contrário do que muitos afirmam por ai. Mas isso é coisa que a gente aprende apenas com a idade.

Beber é um exercício de silencio. Através de uma boa bebedeira aprendemos a dialogar com nós mesmos e escutar a confusão de coisas que se agitam dentro da gente e as quais , na maior parte do tempo, não dedicamos a devida atenção.

PASSIVIDADE

Sei que me tornei um espectador passivo da minha própria vida. Acho mesmo que me tornei escravo de minhas inercias e rotinas. Afinal, o que mais fazemos do que buscar o tempo todo alguma segurança e estabilidade diante da vida? Mesmo que o tempo sempre aponte para a direção contrária. Nada mais natural que eu tenha me deixado prender ao pouco que tenho como um animal que se acostuma à jaula. Pouco é melhor do que nada. Mesmo quando me condeno por isso não abdico de minha resignação instintiva. No fundo tudo que nos move é o imperativo da sobrevivência. Mesmo que precisemos de cada vez mais artificialismos para sobreviver.

NÃO SER

Nunca daria certo esta coisa de ser eu mesmo.

Afinal, não me defino; existo.

Sendo e não sendo em movimento perpétuo

Contra e através do tempo.

Sou  vida e morte,

Desejo e repouso.

Estou sempre me buscando

No não lugar de mim mesmo.

Basicamente, eu não sou.

PIOR INIMIGO

Perdi todas as minhas guerras.

Nunca soube  brigar

E apenas lutei

Contra mim mesmo

Através dos outros.

Reconheci no espelho

Meu pior inimigo.

O fim era previsível e certo

como a ruina de um dia seguinte.

IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE

Eu me tornei quase tudo daquilo que eu sempre disse que não era.

Ou sempre fui muito mais do que sabia e dizia sobre mim mesmo.

Mas que diferença isso faz?

Ninguém corresponde as suas próprias auto definições.

Há sempre uma distância entre quem somos, quem pensamos que somos e quem os outros dizem que somos.

A descrição da personalidade de qualquer pessoa sempre se revela naquilo que, apesar de todas as expressões, permanece escondido, dissimulado.