domingo, 25 de novembro de 2018

O EU CONTRA O ROSTO

Assombra cada um de nós o risco constante da perda do eu. Por isso cultivamos a verdade como meta e buscarmos o ideal como caminho do eu ao nós. É assim que desde os gregos antigos aprendemos a nos inventar, a produzir subjetividades.
 
O rosto sempre predomina sobre o corpo. Ele é a paisagem que define nossa unidade, que esclarece nosso corpo como singularidade. Mas o eu sempre confronta o rosto com o ideal. Contrapõe a vida e a natureza animal no jogo entre a verdade e a necessidade. Mas o eu não é páreo para o rosto. Ambos nunca coincidem e jamais permanecem os mesmos.

SOCIEDADE E INDIVÍDUO

O indivíduo é uma projeção do coletivo e o coletivo é uma projeção do indivíduo. Entre os dois o que existe é o corpo, o animal e o mundo. Por isso a vida em sociedade é uma condição de nossa miséria, de nossa necessidade. Somos ao mesmo tempo um "eu" é um "nós". Mas ambos carecem de substância o que justifica a ficção da verdade como premissa de nossa convivência.

sábado, 24 de novembro de 2018

SEM TETO


Preso à cidade,
Procuro nos becos um pouco de liberdade.
Busco um espaço sem endereço,
Um canto que negue a rua.

Quero qualquer abraço de terreno baldio,
De casa abandonada que me sirva de abrigo.
Moro onde não se habita.
Meu coração é mendigo.
E a cidade sempre me nega a face.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

PENÚRIA

Uma noite falta sono.
Outro falta vontade.
Depois falta dinheiro
E também esperança.

Variam as carências,
Mas é sempre tempo de necessidade.
Mesmo assim o amanhã persiste.
Apesar de tanta penúria.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Não inventei nada.
Meus sentimentos,
Hábitos e pensamentos,
me foram ensinados.
Nada do que digo é  original.
Sou como todos uma carta marcada,

uma simulação.
O sistema conta com nossa revolta.
alimenta-se dela.
Este é o grande segredo.
Tudo já foi previsto.
Tudo é uma variante de conformismo.

A ORIGINALIDADE DA CÓPIA

Ninguém se importa com meus pensamentos,
Com minhas opiniões sobre a vida e o mundo.
No fundo, não há nada de singular nos retalhos de verdade que me animam a existência.
Como muitos, sigo a convenção de não ter convenções.
Não há originalidade em ser diferente.
Mas foi isso que aprendi a ser.

NÃO SEJA PRODUTIVO

É bom dormir até tarde,
Esquecer da vida,
Das pessoas e do trabalho.
Tenho a dignidade de não ser produtivo.
Sou preguiçoso e acomodado,
Quase um imprestável para a sociedade.
Existo para beber, comer e cagar.
Vivo como os cães e gatos domésticos.
Apenas eles me compreendem.

sábado, 17 de novembro de 2018

ADIAMENTOS E SONHOS

Acumulo diariamente muitos adiamentos.
Grande parte do meu tempo é definida por desacontecimentos.
Eles não criam memórias,
Não alimentam sentimentos
E nenhum ocasional arrependimento.
O por vir é sempre o tempo das intensidades,
Dos grandes desafios.
Adiamos o que nos é decisivo.
Seja por medo ou preguiça.
Não há nada pior do que quebrar o encanto do futuro.
É preciso que tudo que nos diz o desejo sempre nos pareça possível.
Desacontecimentos sempre nos transformam....
.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

BANALIDADE COTIDIANA

Não há nada de grandioso na vida cotidiana. Tudo é a banalidade de atividades medíocres e ordinárias. Passamos de um dia ao outro sem qualquer brilho. Por isso precisamos tanto da sétima arte como uma estratégia de fuga. O cinema compensa nossa banalidade. É apenas no plano da fantasia que as coisas de fato parecem vivas e plenas de existência.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

MUDAR A VIDA

A vida está sempre longe de ser tudo aquilo que poderia ser. Os limites dos modos vigentes de sentir e pensar limitam a potência de existir. Não somos capazes de ser diferente daquilo que nos tornamos. Criar o novo na consciência do por vir é um esforço que quase sempre malogra diante de nossas tantas inercias. Apesar disso, a vida só faz sentido quando convertida em uma estética da existência, em um trabalho de metamorfoses.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

NÃO SEJA NORMAL

Admiro a capacidade de algumas pessoas de naturalizar a rotina e conviver bem com todos os pequenos horrores do cotidiano. Mas eu, ao contrário, não sou capaz de me adaptar ao mundo. Sou dado a perplexidades e revoltas silenciosas.
 
Sou um anormal orgulhoso.  

Não cultivo virtudes, boas intenções e nem espero que o mundo se torne algum dia um lugar melhor. 

Também não sou muito sociável e desprezei tudo aquilo que me ensinaram na escola. Vivo de acordo com minha mansa  delinquência. Pessoas sensatas cultivam algum traço de loucura. É uma questão de sobrevivência.

UMA NOITE BANAL

Hoje é somente mais uma noite banal. Impera o tédio, o devaneio. Há um pouco de bebida e maços de cigarro.

No fundo uma música antiga, algumas saudades no peito e muita solidão espalhada pela casa.

Hoje é só  mais uma noite sem brilho que não vai deixar qualquer vestígio. 

É só mais uma noite...

Não há o que lamentar sobre isso. O pior é a certeza do dia seguinte, a lucidez que irá me despertar sem alarde, que vai me roubar do alívio de algum sonho.

sábado, 10 de novembro de 2018

MORTE EM VIDA

Não faz diferença se é noite ou dia.
As horas são todas iguais,
São filhas do mesmo tédio,
Vítimas do mesmo tempo.
A ordem do mundo exige o dizer e o fazer.
Produza sua vida pelo consumo.
Sua identidade é um discurso que pré existe.
Todas as formas de expressão alimentam o tédio.

FOTO E FOTOGRAFIA

A foto é péssima.
O momento ridículo.
Mas o que importa é o registro.
A realidade não vale qualquer objetivo
E quase não existe através da foto.
A fotografia é uma fuga.
Fotografar é uma forma de terapia.
Não leve a sério o fotógrafo.

A LEI DO FRACASSO

O fracasso sempre ronda meus sonhos.
Afinal, tenho objetivos banais e impossíveis,
Felicidades de consumo e padrões sociais.
Cultivo egocentrismos vazios como todo mundo.
Meus sonhos afundam no rio da vaidade.
Meu fracasso é merecido.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A VIDA É INJUSTA

A vida é injusta. Tudo é caótico, um infinito de forças em conflito aberto que tentamos domesticar em nossas mentes. Arrumamos o caos com nossos ralos pensamentos coletivos. Inventamos valores e propósitos em um esforço inútil de serenidade. Mas a vida é sempre injusta. O mundo em que vivemos é um terrível espetáculo. Só nos resta o abrigo da singularidade de nossas estrategias de fuga...

terça-feira, 6 de novembro de 2018

UM POUCO DE DESTRUIÇÃO


Gosto do meu cabelo cumprido.
Combina com meu desespero,
Com minha falta de perspectiva.
Tudo em mim fede a álcool,
Cigarro e bagunça,
Enquanto o mundo
Caminha de mal a pior.
Não quero vencer.
Não pretendo perder.
Só espero um pouco de destruição.


segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O VAZIO DA SIMPLES ROTINA



Amanheço sempre indisposto.
Acordar é domesticar o impossível,
Amansar preguiças
E converter a vontade  em atos
Materializando o possível
Como se isso fizesse sentido.

Assim se inventam rotinas,
Cristalizam-se conformismos.
Aos poucos me faço copia de mim mesmo,
Um improviso de gente,
Condicionado a desfuncionalidades e mimetismos.


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

OBRIGAÇÕES E VÍCIOS


Afinal, vivo tão perdido entre  obrigações e vícios,
Que me pergunto:
Por onde anda minha vida dentro de tanta torta  existência?
Tenho sido apenas um corpo em movimento na paisagem,
Um pequeno detalhe indiferente ao cenário.
A vida não me diz nada,
É atividade de autômato,
Mimetismo inócuo e provisório.
Mas o que seria viver,
Caso não fosse a dialética das obrigações e vícios
que decoram o deserto desta existência?