quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

FAMÍLIA

Viver era ser entre os outros
sob um teto.
Ter três refeições por dia,
algumas obrigações , rotinas
e um pouco de afeto.

Era ter um papel,
um lugar.
Abdicar um pouco de si
para o bem de todos
e corresponder as expectativas.

Viver era ser ninguém
para tornar-se alguém.
Ter um destino
e seguir em frente
enquanto os anos passam.

Viver era ser como os outros.
Não ter idéias próprias.
Nunca bater a porta.

Era ter esperanças.
Educar as crianças
para um mundo
que fosse para sempre
sob a segurança de um teto.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

A VIDA É ISSO

Viver é respirar, 
beber, comer, cagar
e reproduzir a espécie.
Nossa existência se resume a isso.
Tudo mais é supérfluo.


Viver é ser corpo,
satisfazer apetites.
Sobreviver.

A vida não é filosia
não é  moral
e nem faz sentido.
Pois viver não é humano.
É coisa simples e  banal, 
como nasce sabendo qualquer animal.





quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

DIAS DE INFÂNCIA

Os longos dias da infância 
São hoje como um sonho distante.
 Lembram algo bom que nunca existiu, 
Tempos perdidos do próprio tempo,
 Enterrados dentro de mim,
 No impossível de qualquer utopia.
 Talvez exista uma atualidade perdida Em nossas infâncias 
Algo que reivindique o futuro
 Dos nossos tempos de criança.

domingo, 18 de fevereiro de 2024

SER FELIZ ENTRE PARES

Não quero ser um campeão em tudo,
um adulto  bem sucedido e bem resolvido
em meio a tantos absurdos.

Desprezo o bem, o mal,
a ordem, a moral
e não me importo com o mundo.
Jamais serei um cidadão produtivo.

Almejo apenas um beijo e um gole de liberdade.
Despir-me de toda ambição e vaidade
para ser feliz entre andarilhos e mendigos.

Meu destino é e será sempre o fim do mundo.








quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

DESALENTO EXISTÊNCIALISTA

Preciso de um dia
para me esquecer da vida,
me entregar a preguiça
e sumir do mundo.

Eu lhes confesso:
Ando cansado de tudo,
farto das humanidades.

Tudo que mais eu queria
era jamais ter nascido,
nunca ter provado o veneno
de tanta vã vaidade.




segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

A ONIPOTÊNCIA DA ESTUPIDEZ

Tenho uma rotina estúpida
em uma época estúpida
em um mundo estupido.
Então, não me culpem
por ser meio estúpido.
No fim das contas
somos todos estúpidos
e negar isso
é ainda mais estúpido.
Estamos todos embriagados
pela mais banal estupidez universal.

DIAS MENORES

Encantam-me os dias menores,
as horas sem brilho,
a melancolia e a preguiça
de qualquer fim de tarde.

Encanta-me o tédio,
o vazio, 
o ilegível acontecimento
de simplesmente estar vivo
e anonimamente enterrado  em qualquer paisagem.

Encanta-me a saudade
de tudo que foi outro dia,
daquilo que nunca mais será,
mas que na memória
ainda intensamente brilha.

Encanta-me este fastio,
esta falta de vontade
de saber futuros
diante do inconcluso
dos meus tantos passados.

Encanta-me a insignificância,
a mortalidade,
a luz semi morta do crepúsculo 
e toda falta de espectativa e esperança
dos nossos menores dias.







sábado, 10 de fevereiro de 2024

DESIGUALDADE

A vida acontece
em todos os lugares,
animais e gentes.
Mas em nós ela é ausente.

A vida nos foi arrancada
muito antes do nascimento.

Não duvido que existimos.
Mas a vida não é isso
que diariamente sofremos,
o que não escolhemos ser.

A vida é o que a gente vê
do outro lado do muro.
É tudo que não podemos ter.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

NEMHUM LIVRO VAI MUDAR SUA VIDA

Nenhum livro vai mudar sua vida.
Nenhuma escrita vale a saliva.
Muitas palavras passeiam nas bocas.
Mas a palavra água não matará sua sede.

A vida é  um silêncio em movimento.
Um silêncio que nunca é o mesmo,
que muda a todo momento,
transformando o tempo,
 fugindo da escrita,
que tenta prender a vida
que sempre escapa entre as letras.

Nenhum livro vai mudar sua vida.
Leia as estrelas,
escreva uma lua.
Perceba-se corpo,
silêncio e mito.






DIAS DE PREGUIÇA


Há dias em que a preguiça
é maior que a vida
e o tempo se desfaz em silêncios, inércias
e mansas melancolias.

São dias onde tudo que importa
é esquecer.
Não querer,
não pensar ,
não saber,
não sentir,
não estar,
quase não ser.

Neles nada acontece.
Não há novidades.
Só tédios, tristezas e botecos.
Tudo parece prestes a desaparecer
com o próximo passo
ou terminar com um instalar de dedos,
com uma tosse, um suspiro,
um susto, ou, ainda, talvez,
quem sabe, com um tiro.

Um sono nos diz
que tudo já foi vivido,
sentido e pensado.
Que não há mais nada por fazer,
que é tarde demais,
que a vida passa mais depressa
quando pensamos nos mortos
e em tudo que se desfaz.

Tais dias deveriam  acabar
com um estalar de dedos,
com um suspiro,
com um susto,
salvas de palmas ou festas.

Mas são  dias que nunca terminam,
que  continuam acontecendo dentro da gente,
na contramão das rotinas
e através de uma preguiça
que não para de crescer.




sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

O ACASO DAS ALTERNATIVAS

A maior parte das coisas da minha vida Não resultou de nenhuma escolha. Foi estabelecida, justamente, Por uma absoluta falta de alternativas. Pode-se mesmo dizer Que a maior parte das coisas da minha vida Já eram coisas da minha vida Desde muito antes de eu nascer. Nada, afinal, é mais involuntário do que uma biografia. A gente se torna nossa necessidade O que tem pra comer, O que tem pra fazer. A gente nem mesmo escolhe Quando e onde vai nascer. Mas nada disso é determinismo. É apenas qualquer espécie de fatalidade, De aleatória crueldade de acasos Que nada justifica. E assim, no encadeamento de gentes, lugares e acontecimentos Via se fazendo uma vida que, a qualquer momento, terminará Sem qualquer conclusão.