CONTRA MUNDO

O mundo acontece do lado de fora da minha  vida.

 Nele a existência envelhece e se degrada como memória. 

Contra ele guardo no corpo as marcas abstratas de vidas jamais vividas.

Pois sei no desejo o impossível dos meus dias.

 Sonho a  virtual alegria de ser improdutivo e banal,

Uma eterna criança  em devir social.

O mundo pouco me importa na metafísica da imaginação criadora.

MINHA TRISTEZA

Minha tristeza tem cara de festa em dia de chuva.

Quase não  me perturba. 

Só  tumultua a alegria dos contentes

Que seguem sorridentes 

Por motivo fútil.

Minha tristeza é  meu ser inadequado,

É  um sempre estar com fome de protesto
e indignado.

A MISÉRIA DO TRABALHO

Nada de paz,

nenhum sossego.

Apenas mais um dia,

outra agonia,

exatamente igual a anterior.

Sempre o mesmo do mesmo,

o absurdo domado,

naturalizado,

como uma alegria podre.

Sempre o trabalho sem alma,

o prazer requentado

e dentro da norma.

O NÃO LUGAR DO SOFÁ

Durmo sempre no sofá da sala de estar,

no centro da casa velha,

onde todos os abismos

definem a incerteza do lar,

onde me invento sem lugar

até o limite do desabrigo.

MINHA VIDA

Não concordo.

Mas assino embaixo

desta existência

que a mim se impôs como destino.

Nada tem sido como deveria ser.

Nada de fato é...

na experiência diária de quase viver.

PREGUIÇA

Tenho preguiça de viver,

de existir

e, até mesmo, de ter preguiça.

Tenho preguiça para escrever isso

ou para não escrever nada.

Tenho preguiça....
ou, talvez, excesso de vida.

HOJE

Hoje é apenas hoje.

E de tanto ser hoje,

não é nada.

Hoje é só uma palavra.

Agora a noite já quase não é hoje

quando sempre será hoje.

A verdade

é que hoje nunca aconteceu.... 

MALDITA GENÉTICA!

Tenho medo de quando mais velho

ficar parecido com algum antepassado,

perder de vez  a personalidade

e sucumbir a genética

vitima de alguma antiga maldição familiar.

Sei que isso acontece frequentemente.

Alguém sempre tem uma mãe que é a cara da tataravó.

Somos copias de copiais de algum parente perdido no tempo

que também já foi cópia de alguém.

JUSTIFICATIVAS DE UM ANDARILHO

Levo no bolso um maço de cigarro,

um esqueiro descartável,

e algumas notas velha de dinheiro

reservadas para uma dose de conhaque.

Não vou longe.

Talvez, eu fique mesmo

pelo caminho.

Não faço questão de chegar

a qualquer destino.

Por pura questão de sobrevivência

preciso estar em movimento.

Só por isso estou indo....

BOAS PALAVRAS

Detesto palavras rabugentas,

carregadas de pompas conceituais,

significações complexas,

E tão habituadas ao dizer esnobe

dos academicistas.

Que elas fiquem fechadas em livros

que não são lidos

e na mente dos que não pensam

fora da caixinha.

Prefiro palavras que sejam crianças,

que cabem em qualquer discurso

e passeiam por qualquer ouvido

frequentando todos os assuntos.

LER É ESCREVER

Qualquer leitura é um modo de ver,

de sentir e perceber.

Esqueça a representação,

o uso litúrgico, comedido e inútil  das palavras.

É preciso ferir a gramatica,

rasgar  o dizer cotidiano

e desconstruir as pessoas.

Toda leitura é uma estratégia de estranhamento,

um questionamento da vida e do mundo

Através do ato de escrever.

NÃO SOU

Não sou esse rosto,

essa roupa,

essa voz

ou esse bom dia formal

que anuncia minha entrada

no lugar comum do nós.

Não sou o dizer

em primeira pessoa,

a opinião pré moldada.

Não sou...

Apenas isso é real

entre tanta banalidade pessoal.

FALSO CONTRATO

Assino meu nome no branco da folha.

Mas isso não significa para mim

coisa alguma.

Não dou anuência,

não concordo com coisa alguma.

O rabisco do meu nome não é uma senha.

Assino por que não tenho escolha.

Obriga-me a burocracia.

CONHECIMENTO E IMAGINAÇÃO

Entre o sentido e o intelecto a imaginação é um agente do conhecimento. Afinal, conhecer é  um ato de criação, de invenção. Pois é  impossível separar a fantasia da experiência. Os pesquisadores de hoje em dia não  são,  no final das contas, tão  diferentes dos alquimistas.  

OS TAGARELAS

Os tagarelas estão em todas as partes.

Impunham discursos, bandeiras 

E verdades antigas. 

Guardam na língua respostas prontas,

Planos de governos e máximas morais.

Embriagados por qualquer ideal de mundo

Eles gritam as urgências de suas ilusões. 

São autoritários, punitivistas,

Guardiões  da norma.

 Nunca falam de liberdade.

Defendem a ditadura da tagarelice,

O blábláblá universal.

O OASIS DA SOLIDÃO

Amo a solidão contra a escravidão 

Que me traduz o mundo.

Desprezo a realidade.

Toda a vida que me cabe

Tem gosto de cerveja

E brilha  na Luz da ponta de um cigarro aceso. 

Ignoro todas as opiniões, 

Posições  religiosas e ideológicas. 

Estou farto de ilusões. 

Tudo que me importa é  estar sozinho.